Livro | Kim Jiyoung, Nascida em 1982, de Cho Nam-Joo

by - fevereiro 19, 2024

Ano passado, reencontrei uma colega da época de escola que não via, possivelmente, desde a época da escola, no final dos anos 90. Maria Cecília mora fora do país e vínhamos nos acompanhando pelas redes sociais, estreitando uma amizade atrasada mas muito bem vinda neste momento de nossas vidas. Fomos a uma livraria, trocamos figurinhas literárias e ela me indicou este livro: Kim Jiyoung, nascida em 1982, de Cho Nam-Joo.

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Kim Jiyoung, nascida em 1982. Cho Nam-Joo, Editora Intrínseca
O livro trata de uma mulher, como o título indica, nascida em 1982 na Coréia do Sul, mãe de uma criança e casada. Ela largou o trabalho para ter a filha e ser dona de casa, um fato comum no país. O relato já começa com uma transformação da protagonista, narrado na terceira pessoa. Kim Jiyoung parece estar tendo algum tipo de dissociação, muda de personalidade subitamente quando conversa com o marido ou familiares e se posiciona como nunca havia feito antes. A tendência, na Coréia do Sul, é que as mulheres tenham uma postura mais submissa e devotada à família, a aceitarem o pesado fardo da criação quase unilateral dos filhos e assumirem toda a responsabilidade dos cuidados da casa e das tradições familiares.

Entretanto, Kim Jiyoung cansou. De alguma maneira, seu comportamento estranho, o esgotamento do sujeito, é percebido nitidamente sob a forma de um desequilíbrio mental e o marido foi sozinho ao psiquiatra falar sobre a esposa e tratamentos possíveis. Entenda aqui, ele foi sem ela ao psiquiatra, porque a ela não importa saber de si.

O livro é excepcional e a vontade é de sair descortinando ele todo por aqui, conversando sobre cada situação que se apresenta, inclusive sobre a escolha narrativa que se explicará mais adiante - o fato do narrador não ser a própria Kim Jiyoung. Nada disso é à toa, o que torna a obra curta demais para sua qualidade.

Falar sobre o papel da mulher, em quase qualquer sociedade, é dialogar sobre imposições do patriarcado e suas tentativas de rompimento dessa estrutura arcaica. O livro encontra um caminho interessante porque traz um exemplo que está na ordem do ‘comum’ e envereda pelo fantástico com as ‘personalidades’ apresentadas da protagonista. A justificativa para esta solução é clara, marca a ausência de subjetividade imposta às mulheres daquela cultura para serem cumpridoras de tarefas domésticas, executoras apenas, sem reflexão, vontades, reclamações, afeto. Então, a partir do momento que Kim Jiyoung deixa de ser quem é para aquele microcosmo - e talvez pra si, ela assume as personalidades de todas as mulheres.

A obra não se restringe ao fato que abre sua história. Ela cria um panorama para que entendamos como é a vida de Kim Jiyoung, de seu nascimento ao momento em que tudo acontece. Assim, acompanhamos um relato que trata do seu nascimento, da situação familiar, dos privilégios do filho homem, das atribuições dela enquanto mulher, da adolescência, dos assédios e da perpetuação dos privilégios masculinos. Além disso, inclui dados estatísticos de comportamento e sociedade, criando quadro realista do que é ser mulher na Coréia do Sul dos anos 1980 para frente.

O livro é baseado na vida da autora, Cho Nam-Joo, que deixou o trabalho para se tornar mãe, e seus um milhão de exemplares vendidos no mundo em 18 idiomas atestam sua relevância e como ela se comunica em diferentes culturas que, não coincidentemente, abraçam algumas características semelhantes de comportamento e sociedade. Em pouco mais de 170 páginas temos tudo isso com um final excepcional. Boa leitura!


Livro: Kim Jiypung. nascida em 1982, de Cho Nam-Joo
Editora Intrínseca, 2022. 172 páginas.

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