Juntos para sempre
Quando o trabalho exige criatividade, muitas idéias surgem
quase ao mesmo tempo. A vida é um eterno pensar, descobrir, desenvolver e
desistir. Quantas idéias os escritores têm por dia, mês ou ano? E os
músicos, quantas letras são deixadas pela metade? O mesmo acontece com os
roteiristas. E quando temos aquela idéia genial que vai timidamente se
cristalizando em nosso cérebro, sendo de repente alimentada numa torrente de
frases quase desconexas e temos que correr para qualquer lugar a fim de colocar
tudo em alguma ordem, para que desse monstro saia alguma beleza?
Juntos para sempre
é a história de um jovem roteirista que tem a idéia genial. Mais um argentino
digno de aplauso do Festival do Rio, o filme é uma comédia inicialmente boba, mas
complexa de execução e com um roteiro engenhoso – como não poderia deixar de ser
– em que sentimos o cheiro do humor negro bem de perto. Gross (Peto Menahem) acabou
de descobrir a pólvora, a sinopse ideal para um grande filme e precisa
desenvolvê-la antes que se perca, enquanto sua namorada resolve lhe contar que
teve um caso com o vizinho. Na obsessão pelo trabalho, sua vida desanda, Lucía termina
o relacionamento e insiste que visite um psicólogo. Em paralelo, vemos a
história criada de Gross, seu roteiro vira filme dentro do filme: um pai, Fabián, sai de
férias com a família e abandona um a um pelas estradas que percorre.
Seu objetivo é reencontrar, livre de qualquer amarra, um grande amor do passado
que acredita ainda esperar por ele.
Enquanto vemos Gross adaptar sua vida em prol da estória que cria, sua mãe – numa interpretação
incrível de Mirta Busnelli como uma mulher depressiva e histérica – tenta conversar
com o filho sempre ausente. Nosso personagem fictício da metalinguagem
cresce; sua história é tão interessante e simbólica quanto a de seu
criador. E a psicologia, claro, bate à porta. O filme todo é um grande
exercício. Imagino que para escrever o roteiro, o roteirista da vida real deve
ter se divertido bastante e tomado um cuidado para não cair na própria
armadilha. E dá tudo certo: o filme nos ganha desde o princípio e
todas as guinadas vão se tornando cada vez mais interessantes, inteligentes e
engraçadas.
O humor negro, aquele íntimo que nos habita, é
compartilhado. A doença do protagonista nos contamina;
somos ele nos primeiros minutos, mas não sei se queremos continuar a sê-lo nos
que se seguem. E,
mesmo sabendo que tudo vai acabar, queremos continuar apostando,
como viciados, como Gross e como sua criação, o pai obcecado.
A direção foi coesa – acabei de descobrir que o roteirista é também
o diretor, Pablo Solarz – e o filme acontece com atores afinadíssimos. A fotografia se torna sombria à medida que o filme se inclina para o mórbido com sutileza, na proporção exata da transformação de todas as histórias ali contidas.
É incrível perceber como o filme metalinguistico nos parece simples na apresentação dos personagens: a voz de Gross está ali, freqüentemente nos alimentando em off e ao vivo com cada desenrolar da trama, mas também aqui ela vai tomando corpo, como um Frankesntein que se apodera e tem vida própria. Luís Luque, o ator de Fabián é perfeito: apenas com sua expressão - até porque tem poucas falas, o que é um grande triunfo do filme - nos intriga. A quase ausência de voz em Fabián no início e o crescimento de seu personagem no final é o equilíbrio ideal para a progressiva mudez de Gross. Se no início sua intenção era buscar platéia para contar sua idéia e ter opiniões, agora já não é necessário, a certeza do sucesso lhe toma tanto quanto a semelhança que vai ganhando com seu personagem.
Esse é mais um caso em que os argentinos dominam, reafirmando o que disse sobre Querida. Melhor ainda é imaginar quantas pessoas foram ver esse filme acreditando ser uma comédia romântica.
Título original: Juntos para siempre
Diretor: Pablo Solarz
Argentina, 2010. 98 min.


1 Comentários
Quero veeerrrr!!! Pelo que vc escreve, parece massa mesmo. Bjs
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