Os nomes do Amor
Quando saí do Roxy depois da sessão, havia uma senhora com o pé engessado tentando entrar em um táxi. Vi tudo de soslaio, porque estava andando
rápido, doida pra chegar em casa. Mas a cena me fez virar a cabeça umas duas
vezes para ver como terminava e ninguém foi ajudar
a velhinha. Não sou heroína de história infantil, mas ela
estava com uma dificuldade e eu poderia facilitar a vida dela naquele
instante... por que não? E tinha gente por perto
olhando a cena, curiosos provavelmente de ver se a senhora conseguiria entrar
no táxi sozinha ou tímidos, distraídos para qualquer atitude. Fiz quase nada: abri a porta
do táxi, ela sentou, me agachei, conseguimos colocar suas perninhas pra dentro e tchau. De novo, não sou madre
Teresa, mas essa não deveria ser uma ação automática?
Enfatizo o ocorrido porque havia justamente uma cena nessa
comédia romântica francesa em que a mocinha está no vagão do metrô com o
paquera que acabou de conhecer e um casal de idosos caminha
vagarosamente em direção ao vagão. Ela sabe que eles não conseguirão entrar a
tempo e corre pra impedir que a porta se feche. Exatamente neste momento o
público riu e provavelmente se identificou e/ou pensou: essa menina é bacana,
engraçada, maluca. Provavelmente concordaram que era uma ação
inesperada e imprevisível, mas uma atitude legal. E diante do real, nada
acontece. Passa batido.
Voltando ao filme, acho que os romances franceses com voz off pós-Amelie Poulain sofrem o mal terrível da
comparação. Sabemos que as comédias românticas desse estilo têm textos
engraçadinhos, crônicas da vida com frases curtas, interessantes e sempre
buscando uma forma diferente de descrever e completar o que os olhos vêem. Pois
é, como Amelie. Entretanto, ainda que
siga esse padrão e que também tenha uma mocinha atípica, o filme vence isso numa boa. A estória: um homem de seus 40 anos (Jacques Gamblin), filho de mãe judia e pai francês, conhece a mocinha de vinte e
poucos, Bahia Benmahmoud (e há referências sobre o Brasil por seu nome) filha
de argelino com francesa hippie. Bahia (Sara Forestier) é politizada e
radical e tem por objetivo converter ‘fascistas’ através do sexo. Só que o mocinho não tem nada a ver com isso e
é aí que a brincadeira começa.
Uma questão de roteiro é que a partir de um ponto nos perguntamos
onde está o problema que originará o clímax que tanto esperamos. Há indícios, mas nada parece forte o bastante. Tudo acontece
rápido e muito bem e isso quase incomoda, mas a
complexidade finalmente chega. A marca que o filme nos deixa está na
construção dos personagens. O crescimento e a
trajetória de cada um, com seus segredos a desvendar um para o outro, as diferenças entre cada um, a
crescente intimidade, as descobertas. O filme sai do superficial e torna o
próprio relacionamento idílico mais concreto.
A fotografia com o jogo de câmeras também fazem parte da trama. Parece até óbvio dizer isso de um filme, mas é que aqui há uma
preocupação estética, um jogo, como repito. Como em 500 dias com ela, há um
paralelo no uso de câmeras 16mm e 35mm, em que o filme 16mm normalmente acontece
sem voz, apenas para imagens poéticas de tão bonitas, com uma granulação quase
palpável que cria uma época de ‘memória’, mas não de passado. Remete às nossas próprias histórias quando apaixonados, em que colorimos as
fotos de nossos grandes momentos com o olhar e guardamos no coração. Os detalhes,
o sorriso, o cabelo, a pele, o cheiro. E mais: Sara Forestier não deve nada às
atrizes populares no quesito beleza. Linda, de uma forma não tão óbvia, mas
cativante, ainda tem um corpo que é muito bem explorado pelo diretor. Um pouco
gratuito às vezes, mas com um ar provocativo que perde a vulgaridade com a
atuação extremamente natural, à vontade com as cenas e com a
câmera.
É um filme de brincadeiras agradáveis, que trabalha com
temas sérios e um tanto caros aos franceses – o Holocausto e a colonização
argelina, a mestiçagem, a política, as religiões, as culturas – com a leveza
das comédias românticas que nos deixam tranqüilos após um dia de trabalho e com nossas próprias histórias para
pensar.
Ah! Esse também é fruto do Festival do Rio, mas deve entrar em cartaz.
O trailer.
Título Original: Les Noms des Gens
Direção: Michel Leclerc
França, 2010. 104 min.
0 Comentários