E então, estávamos mais uma vez na boemia. Numa fila de festa e minha irmã apertada para ir ao banheiro. Do nosso lado, apenas um lugar se mostrou plausível: o Hotel. No bairro em que estávamos, todos os ambientes de hospedagem eram um tanto suspeitos. Haviam dois Hotéis para Solteiros, cujas entradas eram definidas por homens estranhos com caras de más intenções e nada muito limpo, desde a porta até o corredor que se seguia.
O Hotel não era para solteiros. Pelo menos, não era sua indicação. No corredor da fila, desviamos dos amigos e entramos pelas portas de vidro. Um salão amplo e vazio, com poucas luzes e um balcão no fundo. O barulho da tv indicava um programa de sexta à noite de grandes emissoras. De alguma forma, os eventos da rua não influenciavam no silêncio do ambiente. Um homem velho, um senhor branco e simpático, com olhar beirando o sombrio, levantou-se da cadeira e nos atendeu com um sorriso. Boa noite, dissemos. Boa noite. Podemos usar o sanitário? Aqui não tem sanitários, vão no 105. Então podemos ir ao sanitário. Vão ao 105. Com o terror instaurado do quarto 105, como dos quartos onde pessoas morrem de forma macabra, seguimos por um corredor estreiro e fomos escada acima.
No primeiro andar, diversas portas. Éramos duas garotas e resolvemos nos separar. No fundo do corredor em que estava, saiu um homem similar ao recepcionista, baixo, branco, estranhamente educado e com olhar cansado, mas bastante receptivo. Minha irmã percebeu o senhor e, diante de sua agonia em usar o banheiro e sair logo, não se deu conta de um possível problema: onde é o 105, por favor? A esta altura já estávamos no meio do corredor, o senhor se aproximando. É logo aí, ao lado de vocês. Ao nosso lado, grandes sacos de pano no chão brancos, uma entrada estreita, diferente dos outros quartos. Duas portas abertas. A primeira, à frente, parecia ser um setor de serviços, uma despensa de limpeza. Ele indicou: o quarto é aí do lado. Entrei na frente, ela me seguiu. O quarto estava desmontado, como se uma limpeza fosse iminente, mas nunca feita. O quarto não era pequeno e fui atrás do banheiro. Com um olho na frente e outro atrás, entrei, minha irmã me acompanhou, mas pude observar o ambiente. O banheiro, escuro, mais escuro ficou, quando minha irmã apagou a luz. Quase em pânico, mas fingindo calma universal, falei: Marcela, a luz. Ao que ela acende, percebemos outra luz se acendendo: o velho do corredor acendeu a luz da entrada do quarto. Fiquei esperando ele entrar, vigiando a porta, enquanto minha irmã fazia xixi. Esperei pela entrada do velho com o machado, esperei Jack Nicholson e o guri no triciclo, as gêmeas e até a música dos Carpenters do quarto 1408. Estava pronta para tudo, menos para o sumiço repentino do bom velhinho.
Não apagamos a luz. Saímos muito rápido e depois de um calmo trocar de muito obrigada e boa noite, conseguimos fugir do Alicante Hotel. Na rua, os sons de volta, a fila e o mesmo lugar. Decidimos que era hora de ir embora.