• Home
  • Sobre
  • Portifólio
  • Contato
linkedin instagram facebook pinterest

Café: extra-forte

Quem me conhece um pouquinho sabe que eu evito, como o diabo foge da cruz ou o vampiro da luz, filmes de drama, especialmente os que envolvam doenças. Meu pobre coração não aguenta, sofro demais, provavelmente por ter visto os dramas dos anos 90 que minha mãe me obrigava. Talvez até já tenha comentado sobre isso por aqui, mas hoje, justamente, me aconteceu isso, estando sozinha e quase sem perceber. Não me arrependi.


Robert Downey Jr., esse imenso ator que muita gente conhece, é filho de um diretor de cinema independente, Robert Downey Sr.. Acompanhando a idade avançada do pai e suas questões de saúde, Jr., resolve fazer filme com e sobre o Sr., em uma combinação de olhares dos dois artistas.

Fui pega de surpresa, vi o teaser na Netflix, é leve e tem um humor gostoso que me tomou de vez, nem li a sinopse. Ao mesmo tempo, ele traz um dos grandes temas que gosto de ler, ver, conhecer, conviver: a família. Documentários sobre famílias ou pessoas no contexto familiar podem parecer egocêntricos, mas há algo que sempre nos aproxima deles. Acredito que sejam as excentricidades, as experiências de vida, as histórias das famílias e, acho que mais do que tudo, essa intimidade e ternura genuínas que costumam abraçar obras do gênero. Neste caso, um filme de um grande ator sobre um grande diretor, de início, pode parecer distante de nossa realidade, mas é muito mais próximo de nós do que imaginaríamos.

Aqui vemos Robert Downey Sr., o diretor de comédias underground, um artista que eu não conhecia e que vou buscar seus filmes. Os trechos deles aparecem e contêm um humor ácido, crítico e, ao mesmo tempo, inocente que percorre a família, o mesmo que me pegou no teaser. Vemos o interesse e intenção de Robert Downey Jr. em se aproximar ainda mais do pai, com o carinho, a paciência e muito amor, enquanto se mostra como filho e também pai ao trazer seu filho para a câmera. É possível ver também, como um corte, uma tentativa de evitar expressões maiores de dor pela perda iminente, ainda que não tenha se imiscuído delas. Ele trouxe o sentimento na forma de nostalgia e em reflexões leves e que cabem a todos nós e, talvez por isso, o diretor que os acompanhou tenha escolhido o preto-e-branco na fotografia.


À medida que o filme avançava, eu ficava dividida entre estar amando assistí-lo e sofrer ao já prever um pouco o final, como se fizesse parte daquela narrativa. Esse é o grande trunfo das boas histórias, elas nos transportam e nos fazem viver outros mundos, pessoas, experiências. Fiquei presa, talvez pela empatia e pela certeza de que todos teremos um fim, como os próprios filmes. 

O fato é: Robert Downey Jr. traz uma obra leve, terna e com muita vida, como se o próprio ator quisesse revisitar partes dele no futuro, rememorando a história de seu pai e de seu filho naquele período, como um acalento. Além da questão íntima e familiar, o filme nos enriquece mostrando a grandiosidade de uma cinematografia que poucos conhecem, mas cujas referências e influências se veem nos filmes de estúdio. Não é um filme sobre cinema, mas, nesta família, ele está em todo lugar, tentando dar conta de partes de uma vida infinita, com suas tragédias e comédias e nos estimulando a conhecer mais sobre as obras destes extraordinários homens.

Uma lindeza para fechar esse fim de semana.

***

O Café está em constante e parcimoniosa atualização. Em breve, volto com novidades. Para contribuir e deixar este lugar ainda mais aconchegante, dá uma passada no buy me a coffee. Por muito pouco, se faz muita diferença ;)
Share
Tweet
Pin
Share
No Comentários
Na primeira crítica do ano, vamos com um assunto que parece batido e velho, mas que está todos os dias diante de nós: a humilhação pública. Conhecida como cultura do cancelamento, o tema do documentário 15 minutes of shame da HboMax, tem tudo a ver com o nosso cotidiano, com empatia, ignorância e respeito. Produzido por quem sabe muito sobre o assunto, Monica Lewinski.

15 minutes of shame, hbo max
O diretor Max Joseph e sua produtora, Monica Lewinski

Quando vivemos um período de crise, de forma geral, somos tomados por emoções e acabamos tomando decisões precipitadas. Parte delas são julgamentos sobre pessoas e fatos com base nas informações que recebemos em qualquer meio: julgamos por uma decisão errada, uma frase equivocada, uma ação precipitada, uma foto – como as que nós mesmos podemos tomar ou produzir a qualquer momento. O que nos diferencia de quem comete o erro? A fama, o dinheiro? Às vezes, quase nada, apenas a sorte de não estarmos sob os holofotes.

O documentário traz uma premissa que vale o filme inteiro: a ideia de que não sabemos a história de cada um e julgamos pelo que achamos ser verdade, baseado em nossos parâmetros subjetivos e no que a mídia diz, o que quase nunca significa a mesma coisa.

Além disso, o filme traz um panorama histórico e explicativo sobre a cultura do cancelamento com exemplos em todo o mundo. Comprovamos que o que vivemos é a repetição de um comportamento social antigo e, nem por isso, correto. Os ditames morais de cada período reforçam a prática e, em 2022, os apedrejamentos e banimentos continuam como os de séculos atrás, literal, metafórica e virtualmente. A evolução do desfile da vergonha em praça pública se tornou a fofoca de tabloides com os papparazzis atrás de novidades perniciosas sobre famosos décadas atrás. Hoje, com as tecnologias disponíveis, estes famosos são qualquer um: influencers, tiktokers, instagrammers, youtubers, subcelebridades, BBBs, podcasters, quando não um cidadão comum flagrado em uma situação delicada.

15 minutes of shame, hbo max
Na tradução: 15 minutos de vergonha

Fico me perguntando se o sucesso dos reality shows também não se trata disso, do nosso desejo em julgar o outro e ter ali um programa de TV “realista” que oferece esta possibilidade com pessoas interpretando a si mesmas. Lembremos dos atores de novelas que personificavam heróis e vilões e eram abordados na vida real, recebendo elogios e degradações públicas por uma obra ficcional. Hoje, a ficção não é suficiente. Os realities substituíram a fantasia se fantasiando, eles mesmos, de verdade. Sentados nos sofás das nossas salas de estar, somos os juízes detentores da moral e bons costumes do mundo e distinguimos os dignos de nosso apreço dos que merecem a execração pública. O que não podemos esquecer é: tudo isso é planejado. A humilhação e o banimento dos séculos XX e XXI são uma forma de fazer dinheiro pautada na opinião pública, conduzida através da apresentação de seus personagens e histórias na TV e nos algoritmos online. Nada é por acaso.

No filme, escutamos os especialistas de diversas áreas que trazem reflexões e aprofundam o tema, como a neurocientista que conta como nosso cérebro percebe um indivíduo, indicando que para isso, não basta ter conhecimento sobre ele, é preciso perceber suas emoções e ver seu rosto, conhecer suas expressões. Em tempos de internet, isso se torna supérfluo, especialmente no twitter, o que dá mais poder e menos inteligência às nossas verborragias sobre alguém que, em nosso subconsciente, sequer é entendido como humano. Outra pesquisadora traz a informação de que nosso cérebro libera dopamina ao descobrirmos que um malfeitor foi condenado por seus atos. Partindo disso, fica fácil relembrar tanto a força justa dos movimentos sociais que explodiram na internet da última década em busca de justiça, quanto quando achamos que um indivíduo fez algo errado e foi condenado em nossa praça pública virtual. É a mesma satisfação, mas não pelas mesmas razões. É Tiffany Watt Smith quem estuda o assunto e vai além, falando sobre o prazer que sentimos sobre, com o perdão da palavra, a desgraça alheia.

O filme é interessante e, mesmo tentando abarcar todas as possibilidades de vergonha pública sem necessidade, segue bem, nos fazendo pensar em nossos comportamentos, reações online e no mundo real, e em como somos manipulados todos os dias. É um filme que conversa bastante com O Dilema das Redes e Cidadão Quatro. Produções importantes para pensarmos no conteúdo que produzimos, na atenção que damos ao que nos chega online, em como somos vigiados, no que consumimos virtualmente e como isso nos afeta, nos faz construir linhas de pensamento que se retroalimentam, muitas vezes, alheios à nossa consciência. Somos inundados por uma gama de informações programadas com o objetivo de consolidar opiniões e promover engajamento, gerando lucro para quem as produz. Neste jogo, só nos resta sangue frio e um olhar mais atento ao que nos chega, com o cuidado de promover um engajamento pautado no cuidado e respeito ao outro além, claro, da veracidade do que absorvemos e propagamos. Saímos do documentário com uma reflexão sobre quem somos nestes tempos de manipulação cibernética de forma leve, atenta e com exemplos claros de pessoas que, possivelmente, nós também julgamos quando suas histórias foram à público. Estes são os pouco mais de 15 minutos de vergonha que valem o ingresso.

***

Que tal contribuir para a manutenção do Café? 
No buy me a coffee, com o valor de um expresso, você pode fazer isso!
Share
Tweet
Pin
Share
No Comentários

Sabe aquela história de que quando a gente faz o que gosta, não vemos o tempo passar? É um pouco o que acontece com o Vozes da Mata, uma expedição - documentário entre o Rio de Janeiro e o Pantanal.

Documentário Vozes da Mata, expedição da Orquestra Maré do Amanhã ao Pantanal. Aldeia Urbana Marçal de Souza
Vozes da Mata | Aldeia Urbana Marçal de Souza | foto: Marco Brendon

Um projeto com futuro

Realizado a várias mãos e com muito cuidado, Vozes da Mata é uma expedição dos músicos da Orquestra Maré do Amanhã à região do Pantanal, para levar música e participar do intercâmbio cultural entre as duas regiões do país. Além do que já tocam, há uma sinfonia em preparação, sendo composta por Francis Hime. A ideia é chamar atenção para o bioma que pouco aparece nos noticiários e que sofreu bastante no início do ano (e da pandemia) com as queimadas. Perdemos quase 30% da vegetação nativa, além de machucar e matar vários animais. 

Juntamente com a expedição, estamos produzindo um documentário sensível e atento para levar a informação e a arte adiante. Lígia Feliciano e Lygia Barbosa são as diretoras, duas mulheres retadas que tive a sorte e honra de conhecer. Aliás, neste projeto só tem fera. A equipe da Orquestra, músicos jovens, experientes e sensíveis são atentos ao que se passa, com uma visão crítica da vida. O projeto  musical existe há mais de dez anos e forma 3800 jovens entre os que estão na Orquestra e aqueles de escolas públicas do complexo de favelas da Maré. Poderia passar um tempo só falando deles aqui, da importância de seu trabalho para nós e para eles próprios, em como isso também converte uma realidade de esquecimento em arte e transforma vidas. 

vozes da mata, uma expedição e um documentário que leva música ao Pantanal.
Vozes da Mata | um projeto coletivo
A realização conta com o desenvolvimento da Inspirartes e da Escarlate, a produtora que toca o documentário e onde eu trabalho atuamente. A Escarlate é uma empresa enxuta e com grande potencial, uma visão de negócios importante e muita mulher talentosa, um panorama diferente ao que estamos acostumados na área. Não suficiente esse elenco, contamos com a curadoria ambiental da WWF-Brasil. 

Como estamos em pandemia, conseguimos montar o conceito e a pré-produção de tudo à distância, entre mil chamadas telefônicas e reuniões online. Pessoas no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro se juntaram, tornando tudo verdadeiramente brasileiro. Esta confluência de desejos, observações e conversas garantiram um produto híbrido e rico em referências e experiências. 

Pantanal, Orquestra Maré do Amanhã
Vozes da Mata | Orquestra Maré do Amanhã | foto: Marco Brendon

Documentário como aprendizado

Neste complexo, eu tive a sorte de fazer parte da pesquisa para o desenvolvimento do documentário. Trocamos muitas ideias entre equipe técnica e produtora, pensamos, estudamos. Coube a mim entrevistar a maior parte dos personagens e um mundo se abriu. Conversar com essas pessoas, ter acesso às suas vidas, compartilhar histórias tem sido não só inspirador, como motivador. Ficar até 1h, 2h da manhã 'entrevistando' - porque sempre foi mais uma conversa do que qualquer outra coisa - expandiu meus horizontes e me trouxe para o que eu sempre gostei de fazer na vida: aprender.

Os documentários garantem esses momentos. Aqueles mais sensíveis que buscam encontrar, antes de reafirmar alguma coisa, me movem e são parte da minha formação acadêmica e de vida. O Vozes possibilita isso de forma exponencial, quando cruzamos cidades conhecidas como Rio de Janeiro e Campo Grande e outras que me são novas, como Ladário, Aquidauana e Corumbá. Comunidades e Orquestras Indígenas, Aldeias Urbanas, frações do Brasil que não vemos todos os dias e pessoas, sempre pessoas reafirmando suas culturas e origens - as mais nacionais possíveis, mostram que nossa terra é infinita, plural, resistente e resiliente. Não apenas isso, mas o retorno ao audiovisual com uma pegada mais criativa, buscando conteúdo e forma em conjunto, com uma equipe técnica e artística experiente e conceituada. Quase um presente, um trabalho desses.

Expedição de reconhecimento dos povos originários ao Pantanal pela Orquestra Maré do Amanhã
Vozes da Mata | integração e re-conhecimento | foto: Marco Brendon
O Vozes da Mata segue em produção neste momento, as equipes do filme, da Orquestra e as locais no estado pantaneiro estão juntas, fazendo história. E esta é a primeira etapa, no Mato Grosso do Sul. Após a temporada de chuvas, investiremos para o Mato Grosso e quem sabe o que o futuro nos aguarda. 

Para acompanhar o dia a dia deste projeto único e que tomará o país em breve, siga o Vozes da Mata no instagram e fique atento. Tem muita gente boa participando e querendo participar. Vamos dar voz a quem e o que importa. Vamos juntos.

***

Para seguirmos compartilhando informações e conhecimento, me ajuda com um cafezinho? Custa quase nada e faz uma diferença danada na vida! ;)
Share
Tweet
Pin
Share
No Comentários

Documentário parece um termo pesado que costumava estar associado a filme chato, como aqueles que passavam nas tardes de domingo, com bichos correndo pela África. Enquanto ainda acho que esses têm o seu valor, vim falar da outra categoria, que nos prende até mais do que um filme de ficção. Vamos conversar sobre o novo documentário da Netflix, Os Segredos de Saqqara para entender melhor este tipo de filme e porque é tão importante. E legal!

crítica do filme Os Segredos de Saqqara (2020), o novo documentário da Netflix
Segredos de Saqqara | Netflix

Acabei de assistir a Os segredos de Saqqara, o documentário mais novo da Netflix, lançado neste 2020. Ele conta a história de uma equipe de arqueólogos egípcios que estão escavando a região de Saqqara, um dos sítios arqueológicos mais antigos do mundo, pertinho do Cairo, no Egito. O que podem descobrir ali, abrirá margem para ampliar a história do Egito e, portanto, do mundo como conhecemos. Mas, aí você me pergunta: por que não fizeram uma ficção sobre essa história? Não seria melhor?

O documentário é um gênero cinematográfico?

Não. O documentário não é um gênero como a comédia, o romance, o drama. Assim como 'filme estrangeiro', 'alternativo' ou 'cinema nacional' não são gêneros. O documentário é uma forma de fazer filmes que busca assuntos pautados em fatos, em situações que estão ocorrendo ou ocorreram em nossas vidas. Essa é uma definição muito ampla e que, se formos pensar, também vale para a ficção.
 
A discussão sobre o que é documentário esbarra nas zonas cinzentas da produção audiovisual. Por isso, hoje é mais comum se tratar de filme de ficção e não-ficção. Na minha humilde opinião de não acadêmica, dá para seguir das duas maneiras. Hoje, claramente entendemos se o que estamos vendo é um documentário ou um filme de ficção. Como assim?

escavação na tumba de Wahtye em Saqqara. Documentário Os Segredos de Saqqara.
Os Segredos de Saqqara | Escavação na tumba de Wahtye 
A linguagem é outra. O documentário busca respostas, está atrás de entender sobre um assunto, de conhecer, questionar. Os filmes de ficção partem de um assunto e elaboram uma narrativa sobre ele, um conceito fechado, para construir a história a partir dali. O documentário procura as histórias. Talvez as diferenças devam partir daí. 

Documentários relevantes | A crítica de Os Segredos de Saqqara

Vamos partir do nosso exemplo mais atual: Os segredos de Saqqara. Um filme feito no outro continente, a mais de um oceano de distância, no Egito. Sobre uma escavação arqueológica que busca resquícios da civilização local há mais de 4000 anos. Por que isso é importante para nós, brasileiros (ou humanos, que seja)?

Saber um pouco sobre uma escavação no Egito pode não ter nenhuma relação direta com a gente, se pensarmos rapidamente. Mas, considerando que o Egito é um dos berços da civilização como conhecemos hoje, criamos uma relação. Saber como as pessoas se comportavam, que ferramentas usavam, como se comunicavam, como era a ciência naquela época, contribui para criamos uma linha evolutiva de todos esses aspectos, de nós mesmos. Se pensarmos que só sabemos o que sabemos hoje, graças a pesquisadores, escavadores, arqueológos, antropólogos como estes, conseguimos imaginar assim, que em seu trabalho, eles encontram a nossa História no meio das areias e sob muita terra.  

os antropológos e arqueólogos de Saqqara
Os Segredos de Saqqara | Arqueológos e antropólogos egípcios em Saqqara
Então, a equipe de História e Ciência com seus escavadores chega a Saqqara com o objetivo de encontrar, a partir da existência das pirâmides no entorno, o que havia de civilização por ali. Com isso, o que eles buscam é puramente conhecimento. E, o mais surpreendente, é que eles encontram muito mais. Eles encontram um novo braço da História. A tumba de Saqqara tem talvez 4400 anos e uma família inteira dentro, os Wahtye. Um registro raríssimo e precioso para a nossa vida. Por terem rituais fúnebres e uma crença fértil de vida após a morte, aqueles egípcios deixaram inúmeros registros em hieróglifos - os desenhos antigos talhados nas paredes - contando parte de sua história.

Enquanto escavavam em um prazo curto - a seis semanas do Ramadã, quando perderiam a receita para manter o projeto, encontraram muito mais artefatos e História além daquela da família Wahtye. E assim, não só conhecemos um pouco mais sobre aquela civilização, como passamos a dar outra importância à busca por conhecimento destes grandes profissionais. Do escavador sem formação acadêmica, mas, com um olhar clínico e apurado ao doutor em antropologia, antropozoologia, egiptologia, arqueologia. Estão todos ali buscando aprender.

Assim, documentários são sim, importantes. Se forem como este então, são perfeitos, porque trazem as emoções das descobertas, o cronograma que nos deixa tensos à medida que o tempo vai se tornando escasso, as relações entre os colegas de trabalho, o bem comum. É um filme sobre relações humanas no fim das contas e, mesmo que não seja o nosso objeto particular de estudo, o filme nos fisga na narrativa, em uma história que não vemos ou ouvimos falar todos os dias. Desta forma, o documentário é, também, um filme de entretenimento.

Crítica de Os Segredos de Saqqara, Netflix
Os Segredos de Saqqara | A tumba de Wahtye 
E se buscamos uma análise de estrutura narrativa, encontraremos protagonistas, personagens secundários, jornadas, aventura. Os Segredos de Saqqara é um filme de revelações e a cada novo momento, ficamos abismados e quase viciados esperando a seguinte descoberta e aguardando as análises sobre o que já foi encontrado. Escavar e achar quase intacta uma tumba egípcia de 4000 anos é um presente para nós e isso fica evidente nos olhares surpresos de toda a equipe, de qualquer hierarquia ali dentro. É um filme especial.

Documentário é filme?

Essa é uma pergunta que costuma aparecer de outra maneira, como: é filme ou documentário? Quando vou ao cinema assistir um documentário, um amigo sempre comenta: ah, achei que fosse ver um filme ou ainda, documentário não é filme. Esta premissa parte da mesma da introdução. Documentário é cinema, documentário é filme. 

As formas de fazer ficção e não-ficção são análogas; ambas envolvem câmeras, equipes técnicas, arte, criatividade, roteiro, projeto, são feitos da mesma matéria. A diferença é a premissa: enquanto a ficção parte da história fechada, o documentário busca uma história para contar. 

os segredos de saqqara, egito.
Os Segredos de Saqqara | Outras descobertas do sítio
Com isso sim, Documentários são filmes, sempre - ou séries de tv, como a que esperamos que fosse, Os Segredos de Saqqara. Claramente, o filme nos deixa presos até o desfecho, com a vontade de continuar aquela expedição que encontrará mais surpresas. Este é apenas um dos grandes documentários lançados esse ano. Vale lembrar que começamos 2020 revendo os filmes do Oscar, Honeyland, For Sama, The Cave e outro dia choramos e nos alegramos com Professor Polvo e nos indignamos com One Child Nation. Ficamos atentos e tensos com O Dilema das Redes e com outro importante que acompanha a temática, expandido para a política, Privacidade Hackeada. 

Documentários são portas para uma nova perspectiva ou para ilustrar algum acontecimento. Nos trazem entusiasmo, nos fazem aprender ou relembrar alguma situação ou fato. Nos encantam com histórias brilhantes, como as que Eduardo Coutinho costumava contar. São tão cinema como qualquer ficção. Muitas vezes, são até melhores.  


Gostou do trailer? Invista nesse documentário e se gosta de não-ficção, tem um festival ótimo no país que segue online neste ano de pandemia, o É Tudo Verdade. Vale a pesquisa!

***

Vamos manter o café quentinho e sempre fresco? Vem comigo!
Share
Tweet
Pin
Share
No Comentários

Poderia ser mais um filme sobre o fundo do mar e as maravilhas da natureza, mas o documentário Professor polvo (My octopus teacher) ultrapassa essa ideia. É um dos melhores filmes do ano e conto aqui porquê. Assista na netflix.

professor-polvo-netflix
Craig Foster | Professor Polvo
Craig Foster é um homem em crise sobre seu trabalho enquanto cineasta e sobre a vida que vive na costa oeste da África do Sul, no Cabo das Tormentas. Tendo passado boa parte da sua existência próximo ao mar, mantém uma relação íntima e fundamental com o oceano, que ultrapassa turismo ou passeio. O mar faz parte dele. Buscando um caminho para se reconhecer, Craig começa a mergulhar todos os dias e ali encontra um polvo, com quem passa a fazer contato. Este é o começo de nossa história.

Com uma sinopse simples, parece uma história sobre um lunático, mas a sensibilidade, conhecimentos e cuidados que o documentarista tem com a vida subaquática e selvagem supera qualquer ideia preconcebida que tenhamos. Seu preceito é simples, entrar no mar - o nosso oceano Atlântico - e acompanhar a vida daquele animal em simbiose com os demais, na floresta de algas.

Mas, o que dizer desse título? Em inglês e português, o documentário Professor Polvo é de extrema relevância. Os diretores e roteiristas Pippa Erlich (em seu filme de estreia) e James Reed (experiente cineasta em filmes do gênero) colocam a natureza em protagonismo e não o personagem humano que conta a história. Aqui, estamos entregues ao mar, ao oceano de águas claras em impressionante fotografia, de diversidade de cores e formas, muito além de nossa imaginação ou dos livros de escola. E o mais interessante: não é um documentário de denúncia.

professor-polvo
Craig Foster e Pippa Erlich | Professor Polvo
Considero o tópico denúncia importante, porque hoje falamos muito sobre o assunto. Abundam documentários sobre vida animal, sobre plásticos e poluição no mar - vale assistir o ótimo Oceano de Plástico - sobre tudo o que fazemos para tentar destruir o planeta (e ainda Maidentrip, a história de uma garota que decidiu velejar sozinha pelo mundo), mas a busca de Professor Polvo é a redescoberta, como se estivéssemos diante da melhor definição de vida em comunhão. A construção do filme traduz isso muito bem, quando começamos a perceber o filho de Craig Foster em cena, sendo o ponto focal por uns instantes, tendo a família como base, como se a história e relacionamento com o polvo o trouxesse para perto dos seus.

O documentário ainda é um ganho imenso para a netflix. O streaming, apesar do volume quase infinito de produções de todo o tipo, anda carente de assuntos relevantes e sensíveis, como se a prateleira de documentários, clássicos e cinema de arte tivesse desaparecido das nossas saudosas locadoras. Professor polvo é ainda, arrisco dizer, a melhor forma de branded content - talvez meus estudos recentes em marketing digital estejam me afetando mais do que eu gostaria - da natureza. Ele traz uma poesia no olhar, no trato das imagens, como se todos ali estivessem e fossem - como devem ser no dia a dia - preocupados com este ambiente tão rico e sensível. Assim, por mais que não enfatize e nem traga à pauta o tópico de preservação ambiental, ele se torna óbvio e imperativo.

Há muito o que ver e perceber aqui. A narrativa de Craig Foster nos aproxima da história, queremos viver aquele dia a dia, mergulhar naquela selva de imensas árvores de algas - vivendo muito perto do mar, nunca as tinha visto tão grandes, só chegam fragmentos na minha costa baiana - e acompanhar o mundo que conhecemos tão pouco e que nos traz tanto. Ao nos depararmos com as transformações da natureza e suas rotinas por um ano, somos tomados por aquele olhar, quase esperando que Professor polvo não seja mais um documentário, mas uma série. 

professor-polvo-documentario
Professor polvo | netflix
Mesmo sendo de extrema sensibilidade a história pessoal de transformação de nosso protagonista humano, é do animal que queremos saber mais. Como Craig, estamos ansiosos por saber o que acontece a cada dia que se vai ao mar, o que se passa ali, a perceber nuances, diferenças na água, no ritmo das ondas, no reencontro com os animais que já não se assustam com nossa presença. Tubarões, peixes, algas, moluscos, medusas, corais, águas-vidas, mamíferos - tudo em alta definição para deleite de nossos olhares e corações. Professor polvo dá aulas de vida, no sentido mais profundo e completo que possa existir. Imperdível e maravilhoso, o documentário está na netflix.

Assiste ao filme Professor polvo e me conta o que achou? Se gosta de dicas de filmes, séries, livros, aparece sempre por aqui, toda semana tem conteúdo novo, relevante e interessante no Café. E se quer me ajudar a mantê-lo funcionando a todo vapor, vem no buy me a coffee! Com tão pouco, já se faz muito =)
Share
Tweet
Pin
Share
6 Comentários


Fora do tempo e do espaço conhecidos por nós, vive uma mulher com sua mãe idosa em uma casa de pedra, sem água ou luz. Hatidze produz mel com suas abelhas de forma artesanal, tradicional e sustentável – com técnicas que lhe foram passadas através de gerações e é, hoje, a única mulher no mundo a praticá-las. O filme é sobre ela.

Documentários continuam sendo a forma mais criativa de lidar com o mundo. São filmes que trazem em seus processos, histórias que jamais saberíamos, culturas que nunca veríamos, vidas importantes e pessoas que jamais conheceríamos de outra maneira. Sua forma de produzir, às vezes como um blockbuster e outras com uma equipe enxuta, encontra nos melhores filmes novas buscas e aprendizados, muito mais do que a reafirmação de discursos estabelecidos. 


Hatidze vive neste lugar montanhoso e desértico, cuja cidade mais próxima está a 4h de caminhada, onde ela vende sua produção. De todo o mel que retira, metade permanece com as abelhas e com esta fórmula, este acordo com a natureza, a vida segue. Uma família nômade – pai, mãe e sete filhos – com seu gado, se avizinha e tudo se transforma. Este é o inesperado da vida que vira filme.

A família nômade encontra uma amiga em Hatidze, mas o pai – do típico patriarcado universal – ao saber da técnica e potencial local, decide também cultivar abelhas para sustentar sua família, como um extra além da produção de gado. O problema está no processo extrativista, que afeta a vida de nossa heroína drasticamente. Isolada do mundo e de todos, ela acompanha o processo desrespeitoso com a família dele, com a natureza e com ela mesma, e insiste algumas vezes em que se repense o cultivo, que só funciona se sustentável. Mulher, sozinha, com uma idosa acamada em casa, em uma terra em que só existe a lei da natureza, não há muito o que fazer.


O filme segue e a resistência e resiliência dessa mulher são uma fonte de força que vai nos contaminando, nos tomando por dentro sutilmente e então estamos naquela região montanhosa com ela e sua mãe, com as crianças, com o pai irritante e ignorante, e é uma situação difícil, de sobrevivência mútua, de tentar entender todos e de se apaixonar por Hatidze. Ela é a força da natureza em forma humana, o elo e equilíbrio, o contato primordial em que a partir da mulher, a humanidade deveria se entender como parte do Cosmos e não conquistador dele.

É um filme de observação, que se aproxima por três anos dessa família de mulheres, que vive um pouco com elas, que vivem com quase nada. O que se vê é uma vida ancestral, que em duas mulheres há toda a História. O que sentimos é mérito dela e da equipe do filme, que nos trouxe tão sensivelmente uma obra de respeito e honra às mulheres, visíveis ou não, cujas vidas deveriam servir de modelo do que deveria ser humanidade, consciência de mundo e sustentabilidade. Um filme que deve ser visto por todos.  


Link para o site do filme.
Share
Tweet
Pin
Share
2 Comentários
Posts mais antigos

Sobre mim

a


Tati Reuter Ferreira

Baiana, curadora de projetos audiovisuais, escritora e crítica de cinema. Vivo de café, livros, cinema, viagens e praia. E Pituca.


Social Media

  • pinterest
  • instagram
  • facebook
  • linkedin

Mais recentes

PARA INSPIRAR

"Amadores se sentam e esperam por uma inspiração. O resto de nós apenas se levanta e vai trabalhar."

Stephen King

Tópicos

Cinema Contos e Crônicas streaming Documentário Livros Viagem comportamento lifestyle

Mais lidos

  • Sou apaixonada por você, Naila Agostinho
    Sou apaixonada por você, Naila Agostinho
  • Livros: uma missão quase impossível ou como voltar a ler agora em 2020
    Livros: uma missão quase impossível ou como voltar a ler agora em 2020
  • Livro da Semana: Cem anos de solidão
    Livro da Semana: Cem anos de solidão
  • Cinema em Casa | 1899
    Cinema em Casa | 1899

Free Blogger Templates Created with by ThemeXpose