Livro da Semana: Meninos de Zinco
O livro da semana vem forte, pesado e político. A invasão imperialista ao Afeganistão pela União Soviética em 1979 é relatada por quem esteve lá, através de entrevistas com Svetlana Aleksiévitch, a escritora Prêmio Nobel de Literatura, conhecida por Vozes de Tchernóbil, o livro que serviu de base para a série da HBO Chernobyl. Hoje vamos a Meninos de Zinco.
![]() |
| The old library, Trinity College. Dublin, Irlanda. |
Ninguém saberia que aquela guerra duraria dez longos anos e que, ao seu fim, traria mais transtornos aos combatentes que foram lutar como heróis e voltaram assassinos. Lançado ano passado pela Companhia das Letras, Meninos de Zinco, de Svetlana Aleksiévitch traz uma definição complexa de humanidade e história.
Como seus outros livros - Vozes de Tchernóbil, O fim do homem soviético, A Guerra não tem rosto de mulher e As últimas testemunhas - este também é composto de relatos dos sobreviventes e familiares de algumas das muitas vítimas do lado soviético. Neste conjunto, a autora traz um panorama social profundo das diversas percepções, das ilusões partidas de quem foi por um ideal e viveu um inferno; das famílias que vivem a culpa de terem concordado com isso e perdido duplamente, na transição de mentalidade com a proximidade do fim do regime e, por fim, de terem embarcado com pompa e retornarem com a derrota social, além dos traumas dos conflitos. Como uma imensa nação saindo da Guerra Fria, a URSS precisava conquistar seu espaço e então passamos a conhecer o que pouco foi notícia por aqui, a invasão que antecedeu a chegada dos Estados Unidos no país de Osama Bin Laden.
![]() |
| Meninos de Zinco, Svetlana Aleksiévitch |
Todos somos imbuídos de nossos ideais e a autora não se imiscui dos seus, mas ela tenta, ao mesmo tempo, dar voz às mais diferentes mentes e frentes. Então, temos desde o jovem que não queria ir e foi empurrado pela família e viveu um inferno particular e coletivo, a outro que foi pela bandeira e orgulho e se sente vencedor. Temos as famílias desalojadas em suas dores imperdoáveis e perdoáveis, temos quem sustente e quem pise nas políticas assassinas das disputas de poder. É um livro que traz tudo, que abre mil debates e que ainda traz um adendo, com os pormenores do julgamento a que a escritora foi submetida, por ter sido processada por algumas das pessoas entrevistadas. Inesperado, mas compreensível - especialmente em uma nação que tinha por prática cultivar o medo e manter uma imagem de vencedora sempre. Era outra época, outros valores - mas ainda há muita ressonância com tudo o que vivemos. Guerras, ideais nacionalistas e grandes ilusões sempre haverão, o que torna esse livro imprescindível para refletirmos sobre poderes e perdas, política e crimes contra a humanidade.
Meninos de Zinco é doído - o título fala dos caixões e como muitos combatentes eram meninos efetivamente - dezoito anos já era suficiente para ser convocado - está posto. Leiam porque, além de toda a relevância sócio-política e cultural, ainda é extremamente bem escrito e estimulante - é difícil largar. Vamos falar sobre ele depois, estou por aqui. É uma discussão que vale uma mesa, muito café e gente pensando junto.



0 Comentários