Mercuriales
O trailer nos apresenta uma história que se passa em um tempo
distante. Um tempo de violência. E explica: um tipo de guerra se propagava por toda a Europa. Numa cidade, viviam
duas irmãs que eram inseparáveis. Estas frases se repetem durante o filme e
criam uma expectativa que não se resolve de pronto e deixa algum
mistério. Mercuriales é
impressionante, nada mais.
Como o adjetivo indica,
‘impressionante’ corre em diversas direções. A primeira sequência do filme
mostra um jovem negro sendo apresentado às instalações de base dos Mercuriales,
dois prédios como as Torres Gêmeas de Nova York, só que em Paris, no subúrbio.
Os prédios existem de fato e se chamam assim, foram parte de um projeto de renovação comercial do lado leste de Paris mas que, com a primeira crise do petróleo, foi interrompido ficando apenas as torres construídas. O jovem, que agora é parte da
equipe de segurança do conjunto quase não aparece mais e se imaginarmos que ele
terá algum papel relevante numa história que parece ser estranhamente
futurista, não lhe acontecerá muito além disso. Essa percepção de que falta algo
ficará no espectador até o final, como se aquela história estivesse sempre
na introdução. Ao mesmo tempo, o longo prefácio que não se desenvolve nos
prende com a construção de um clima, é o que chama mais atenção, com duas
protagonistas bastante parecidas, como as torres, inseparáveis e que, ainda
assim, guardam distinções em suas personalidades.
Não vemos guerras acontecerem em
um tempo distante: esta ideia de ficção científica é uma ilusão, mas, mais
forte do que isso, a atemporalidade é sua marca maior. Não sabemos o tempo das
coisas, como se tanto as torres quanto as ‘irmãs’ estivessem tão distantes do
mundo quanto o subúrbio em que se encontram. Joane (Philippine Stindel) veio da
Moldávia e encontra, Lisa (Ana Neborac) francesa. As duas são recepcionistas
nas torres. Joane não conhece quase mais ninguém na cidade e se apega à Lisa
como se fossem gêmeas, estando sempre juntas, quase simbioticamente.
As meninas tomam o filme, entre ações do cotidiano e pequenos pontos de conflito. Ficamos presos a estes
momentos – quando Joane conhece Zouzou (Annabelle Lengrone), amiga de Lisa com
uma filha criança ou quando vão ao clube de suingue, quando viajam para o
interior, quando conhecem um grupo de rapazes – aguardando seus desenvolvimentos, que parecem soltos demais e ficamos à mercê, esperando os desfechos, que se diluem em outras ações. É intencional, uma frouxidão na
trama é o que parece tentar trazer a história para a vida real e com o adicional da fotografia de luz natural, boa
parte da crítica internacional entendeu como um jogo com o documentário por
conta do currículo do diretor, mas não parece ser o caso.
O filme busca uma relevância na
vida das garotas como um paralelo com as torres que ninguém de fora do país ou
da cidade conhece. Imponentes, parecidas e importantes à sua medida, não são
como as finadas e famosas World Trade Center ou como as grandes modelos do
mundo, ainda que não percam em nada por semelhança e beleza. Deixadas em um
subúrbio, fora das vias principais da cidade, alheias ao movimento – e uma cena
delas no terraço de uma das torres, enxergando a cidade ao longe é uma belíssima
analogia – as desloca deste espaço e tempo, como se talvez nem precisassem
estar sob qualquer holofote, mas apenas vivendo e se encontrando no limbo que é
o caminho entre a adolescência e a vida adulta. É uma interpretação possível,
as responsabilidades do dia a dia contrastando com um comportamento quase
infantil, as vivências típicas da adolescência encontrando outras mais próprias
à vida adulta, a relação com a maturidade e maternidade encontradas em Zouzou ou os riscos entre desconhecidos.
Como são tempos de guerra, nada é permanente e as conclusões do filme deixam
claras uma mudança imperativa e iminente, abrindo outras possibilidades de
futuro para as duas.
Se nos minutos iniciais vemos uma
sequência longa com orientações sobre procedimentos e instalações de segurança com uma trilha sonora quase entorpecente, remetendo a Kubrick e já imaginamos tensos uma guerra que está por vir – referência imediata ao onze de setembro – talvez este paralelo seja tão subliminar e distante, como
uma metáfora requintada demais para a vida das garotas, cuja segurança não
existe, mas o alheamento do mundo sim, como se fosse possível para elas viver
na própria distância imposta pelos seguranças dos prédios a qualquer um que se
aproxime deles fora do horário padrão. Impressionante, o primeiro longametragem de Virgil Vernier não é um
grande trabalho de roteiro, mas é de todo o resto, chamando a atenção com sua estética e nos deixando ansiosos por uma nova – e quem sabe mais dinâmica
– experiência. A vontade que fica ainda neste filme é em rever algumas cenas por seus enquadramentos, reencontrar o clima criado, a suspensão do tempo, os silêncios e alguma inocência.





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