Esperando acordada
Em 1995, em Enquanto você dormia (1995, de Jon Turteltaub), Sandra Bullock era
Lucy, uma bilheteira de metrô que vê sua paixão platônica, Peter (Peter
Gallagher) cair da plataforma da estação e entrar em coma. Ela ajuda no resgate
e passa a cuidar do desconhecido, se envolvendo com a família dele por um mal
entendido, se passando por sua noiva. O filme é das nossas sessões da tarde e
está no rol das comédias românticas bestas, mas que assistimos e até nos
divertimos se não tem nada melhor passando.
Este mês estreia o francês Esperando acordada, sobre Perrine
(Isabelle Carré), uma musicista amadora que por um desígnio do destino, causa
um acidente em um desconhecido que então entra em coma. Ela passa a cuidar dele
e o resto a gente quase já sabe. Tão bobo quanto a comédia americana, este
investe ainda mais nos exageros do roteiro, alimentando os estereótipos do dois
gêneros, o fílmico e o feminino.
O gênero de comédia romântica
costuma ser bem previsível e isso não é um problema. Dá até certa segurança e
funciona bem quando bem feito, atinge o objetivo de contar uma história que
costuma terminar feliz, dando relevância aos sentimentos e alguma esperança,
uma luz no fim do túnel para os espectadores, por mais improvável que seja seu
enredo. Em uma história bem contada o que vale é o desenrolar, os diálogos, as
soluções encontradas para os nós dos personagens. Em Esperando há um abuso, como se os roteiristas (Marie Belhomme, que
também dirige e Michel Leclerc) buscassem um filme de verão, leve, com
brincadeiras e artimanhas, mas errassem a dose, deixando bobo demais.
Perrine é essa moça sensível e
delicada, talentosa e azarada, não consegue segurar grana, é desastrada, bonita
e vive fazendo bicos. Não se considera grande coisa, além de ter um grande
coração e ser extremamente ingênua. Dirigindo apressada entre um trabalho e
outro, vai perguntar a um homem sobre informações numa parada na estrada e o
assusta. Ele cai, bate a cabeça e fica desacordado. A mocinha chama a
emergência, mas sai de cena, porque tinha horário a cumprir, tocando violino
para um grupo de velhinhos em um asilo coordenado por Lucie, interpretada por
ninguém menos que Carmen Maura – uma grata surpresa, principalmente quando ela
alterna o francês com murmúrios em espanhol, nos fazendo lembrar filmes de
Almodóvar. Esse imaginário da moça bobinha e sensível é um personagem quase
padrão dessas histórias e que aqui, entra em confronto com Arsène (Camille Loubens),
uma doutoranda inteligente e sexy, sobrinha de Lucie que faz um favor a Perrine
e lhe passa a perna. O clichê que pode passar batido em alguns espectadores incomoda
os mais perspicazes: a relação em que as mulheres funcionam como inimigas em
prol da conquista de um homem, que de um favor vira estratégia de ataque é
cansativa e gratuita; um apêndice na história facilmente descartável além de
ser uma prerrogativa que reduz o gênero endossando uma competição que não
deveria existir.
Não apenas a relação entre as
mulheres da história é complicada como a construção que se faz do homem ideal,
aqui amplamente imaginada por Perrine. Ao adentrar no universo do desconhecido Fabrice Lunel
(Philippe Rebbot), Perrine de cara o acha extremamente interessante sem sequer ver seu rosto ou trocar qualquer palavra, mas conhecendo tudo o que o
cerca: o filho, a casa, o trabalho. As afinidades colaboram para a idealização,
mas ainda é muito pouco o que se sabe de alguém para chegar ao encantamento que
vemos aqui. Se a resolução do conflito encerrasse algo próximo do final de Enquanto você dormia, talvez fosse mais
interessante. Ali, mesmo Sandra Bullock encarnando boa parte das
características da própria Perrine, sua elaboração é mais realista e podemos
pensar que conhecemos alguém como ela. Perrine é o personagem do exagero em uma
construção que não funciona nem como um conto de fadas – como o fofo Românticos Anônimos (2010, de
Jean-Pierre Améris), que traz a mesma atriz – de forma que há um deslocamento
da personagem com a realidade ali proposta e seu desenvolvimento sustenta uma
trama frágil demais.
Enquanto filme francês, é nossa a
expectativa em imaginar que veremos algo com personagens e diálogos mais
elaborados como costuma ser, em contraste com o cinema hollywoodiano. Aqui
acontece o oposto ou uma aproximação da grande indústria no que lhe há de menos
interessante: com uma redução dos personagens em estereótipos, levando a
mulher à velha posição de boba, que rivaliza com outra por uma conquista que nem sabemos se será boa e que não vai muito além. É um filme de verão que se
tenta engraçado e leve e de fato é, mas muito menos atrativo do que se
pretende. Vale, no máximo, para um domingo à tarde, sem maiores pretensões.
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