Roger Waters The Wall*
Eu
deveria ter talvez 18 anos quando vi o filme Pink Floyd The Wall. Conhecia o disco e estava num bar que tocava
rock em Salvador, o Café e Cultura, que nem existe mais. Bebia com uns amigos e
conversávamos qualquer coisa, quando me distraí com uma televisão presa na
parede. Passava o filme e dele eu nada sabia. O fato é que enquanto todos
conversavam eu perdi o que hoje
parecem ter sido muitos minutos na tela. O impacto das animações, o peso da
narrativa, o muro em si e suas conotações, a música fantástica em muitos
sentidos. Não tinha nada de especial acontecendo na minha vida, era adolescente
indo pra vida adulta e estava tudo certo, mas ficou uma marca, da mesma forma.
A
primeira sequencia do novo filme dirigido por Roger Waters e Sean Evans traz
Liam Neeson contando uma experiência pessoal com o show The Wall na época do lançamento do disco, quando Pink Floyd ainda
tinha Roger Waters. Liam fala em preto e branco, sem trilha sonora e sem corte, sobre como estar ali foi fundamental naquele momento de sua vida e como o evento se
transformou em um marco, um indicativo de um ponto de virada. Conta sobre o
medo e o início de sua carreira, quando ainda não era conhecido e vivia a
incerteza do sucesso.
O filme de 1982 é uma ficção dirigida por Alan Parker que conta a história de Pink (Bob Geldof), um cantor de rock que entra em colapso ao construir um muro simbólico para se isolar de todos que o oprimem – a mãe, a mulher, o sistema. Após um delírio em um show em que ele se transforma num ditador e violenta parte de sua plateia, é julgado e obrigado a quebrar o muro para retornar à sociedade. A obra é a representação audiovisual do álbum, descrito como ópera rock, um clássico do rock, sucesso absoluto no mundo. O roteiro do filme é de Roger Waters.
Este
mês estreia Roger Waters The Wall,
um filme que traz o show de 2012 – um espetáculo impressionante em qualquer
nível – direção, som, músicas, jogo de luz, cenografia, efeitos visuais,
equipe, banda, edição – cenas do filme de 82 e em paralelo, um pouco da
história do próprio Roger. O conjunto nos deixa embasbacados e mesmo conhecendo
o disco e tendo visto a ficção, essa também é uma experiência transformadora.
Como se não bastasse, a turnê que originou o filme é dedicada a Jean Charles e
todas as vítimas de violência por conflito armado – guerras ou urbanos. Roger
Waters perdeu o pai aos sete meses de vida, na Segunda Guerra. Seu pai havia perdido
o pai na Primeira Guerra. Ambos eram soldados.
O filme de 82 nos deixa um pouco pesados, remete a outros tantos filmes fundamentais, ainda que não seja este o objetivo – 1984, Metrópolis, Os Incompreendidos, Laranja Mecânica – e em todo o delírio e narrativa fantasiosa há um realismo quase cotidiano. A expressão da TV que anestesia – como as drogas da faixa Comfortably Numb – as três partes de Another Brick in the wall, que trazem os marcos narrativos do filme e cada uma puxa um tema, todos convergindo para o medo, que nos isola e cega. O filme de hoje é magnífico, porque se aproveita deste medo e aí sim, o afasta do delírio de um personagem isolado e nos transporta para uma história que é a nossa própria, dos nossos medos, dos medos coletivos e de como as guerras são provocadas pelo mesmo sentimento e que dele se alimentam.
Ao
contrário da ficção, este novo The Wall
nos resgata e levanta, nos faz pensar sobre as guerras e nos faz viver aquele
show nos deixando numa posição confortável e intrigante ao mesmo tempo: ficamos
emocionados pelo espetáculo, ficamos querendo muito ir ao show e saímos
envolvidos e reflexivos pelos assuntos, homenagens e provocações. Não
suficiente, há a história pessoal entre as músicas; Roger Waters faz uma
travessia de carro, do túmulo de seu avô ao de seu pai, exibindo uma triste
coincidência – se é que podemos chamar assim – ou um destino trágico para esta família que perde os seus para uma
violência inútil. Esta viagem do protagonista-diretor-cantor-roteirista é um
recorte tanto ficcional quanto documental em sua construção e funciona bem,
porque toda a sequência é complemento ao show, em significado. Há a verdade do
relato e da forma como é exposto, fazendo do filme uma obra diferente e difícil de categorizar.
Saí dos 132 minutos querendo mais, esperando após os créditos o bônus da conversa de Roger com Nick Mason, baterista do Pink Floyd respondendo a perguntas dos fãs sobre a banda, o show, David Gilmour. Saí com vontade de ir ao show e de rever o filme no mesmo momento, que agora fica indo e vindo à memória. Saí feliz pela homenagem aos mortos por guerras e medos que levam tantos a tomar medidas extremas e até triste por ver que ainda precisam se fazer lembrar e homenagear, quando na verdade, não deveria haver tantas vítimas. O que fica é a certeza de que esse é um filme imenso, imperdível para fãs da banda e do cantor, surpreendente para quem pouco conhece e fundamental para qualquer pessoa que goste de cinema, grandes histórias e música.
*Essa crítica está no Blah Cultural! :)
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