Terra Esquecida
Outro dia estava passando na tv o
melhor programa que o Multishow já exibiu, Não
conta lá em casa. Para quem não conhece, ele gira em torno de 3
amigos que viajam para os sítios mais perigosos do planeta – perigosos aí por
diversas razões – e nos contam como é a vida lá fora. Essas visitas a lugares extremos
são repletas de informações bacanas – para além da experiência narcisista daqueles
que mostram jovens mochileiros curtindo a
vida ou de bicicleta por praias paradisíacas, porque isso por si só seria interessante – consegue ser crítico sem
ser maçante, com linguagem simples e jovem, que todo mundo pode entender. Trata
sempre de temas fortes e importantes para a formação e informação de qualquer
espectador. É uma pena, na verdade, que seja tão curto – entre 26 minutos.
O episódio era em
Chernobyl. Os amigos foram guiados por uma mulher que dava os detalhes do
acidente, do que aconteceu antes, durante e depois. Usavam casacos compridos,
com gorros ou bonés para não encostarem em coisa alguma. Não lembro se usavam luvas, mas andavam um medidor de
radiação portátil que apitava constantemente e era o que definia até onde eles
podiam ir. Não havia como desligar o som e quando o bipe ficava mais frequente
e mais intenso, era zona proibida. A tensão que esse som provocava neles e em
nós – espectadores seguros em casa – era quase insuportável. Eles visitaram os
espaços abandonados da cidade, mas não podiam tocar em nada: plantas, móveis,
paredes, tudo ainda estava contaminado. 26 anos depois do acidente.
Terra Esquecida é uma ficção ucraniana que fala da vida após aquele
26 de abril de 1986. O filme acompanha duas histórias: a de Anya (a
irreconhecível Olga Kurylenko de 007 Quantum of Solace), que perde o marido no dia do casamento
quando este foi chamado conter um incêndio
– o governo tentou esconder da população o acidente, transformando a
catástrofe numa desgraça ainda maior – e a do engenheiro nuclear que tem que
ficar na cidade e obriga sua mulher e filho a irem embora. De uma terra feliz e
com orgulho soviético estampado nos cartazes, monumentos e alegrias
desenvolvimentistas, vemos agora tristeza no olhar de todos. Toda a cidade de Prypiat
é evacuada 3 dias depois para regiões seguras, mas ainda próximas.
Dez anos se passam e Anya é guia
turística da região de Chernobyl. Namorada de um francês que quer voltar a
Paris e amante de um morador de Prypiat, cidade que virou sítio turístico da
desolação, vive entre a busca de outra vida além de seu passado e cultura,
e a necessidade quase biológica de estar perto, porque estar ali é viver a
realidade dos seus. O filme é narrado por ela em francês, lembrando Hiroshima, mon amour. Em 1959, Alain
Resnais mostra a relação amorosa entre uma francesa e um japonês na voz dela,
perguntando, questionando, tentando entender o que foi aquela catástrofe. Aqui, com menos poesia mas um olhar também íntimo, ela narra para si,
Anya está perdida.
O filme escapa do melodrama gratuito que o
tema produziria e segue para um cotidiano sem saída em que nós,
impotentes e tensos com tanta contaminação radioativa, assistimos. As cenas fortes são sutis, se concentram nos diálogos duros, na força das interpretações que, em sua maioria, parecem ser de não-atores. Os indícios da catástrofe se percebem com as alterações climáticas, logo no início do filme. É angustiante saber o que vai acontecer antes dos personagens, entender o destino trágico que os aguarda enquanto eles vivem confusos, aquela situação sem controle. Ainda assim, o filme é rico em imagens de vazio, do que foi deixado para trás, imagens cinzas de um passado promissor. Ainda assim, não foi necessário chegar ao grotesco, de corpos alterados e doenças cruéis.
O assunto de ver imagens da desgraça alheia lembrou o livro Diante da Dor dos Outros, de Susan Sontag. Aqui, ela trata das imagens de guerra e atrocidades, em como e por que as vemos, como reagimos a elas. Concordo quando nos diz que por mais impotentes estejamos diante do que vemos (que normalmente é o outro, o que está distante de nós), tais imagens não podem ser mais do que um convite a prestar atenção, a refletir, aprender, examinar as racionalizações do sofrimento em massa propostas pelos poderes constituídos, e a partir de então entender o porquê, como e quem são os agentes daquela dor. O fato do filme não seguir para uma vitimização gratuita é que o torna fundamental. Ele trata de um fato que aconteceu no passado e como a sociedade reagiu a ele, da forma que pôde.
O assunto de ver imagens da desgraça alheia lembrou o livro Diante da Dor dos Outros, de Susan Sontag. Aqui, ela trata das imagens de guerra e atrocidades, em como e por que as vemos, como reagimos a elas. Concordo quando nos diz que por mais impotentes estejamos diante do que vemos (que normalmente é o outro, o que está distante de nós), tais imagens não podem ser mais do que um convite a prestar atenção, a refletir, aprender, examinar as racionalizações do sofrimento em massa propostas pelos poderes constituídos, e a partir de então entender o porquê, como e quem são os agentes daquela dor. O fato do filme não seguir para uma vitimização gratuita é que o torna fundamental. Ele trata de um fato que aconteceu no passado e como a sociedade reagiu a ele, da forma que pôde.
Tomei um susto quando vi a ficha técnica e descobri que a
moça bonita de 007 era Anya. Ela surpreende pela transformação não apenas física,
mas do olhar, da expressão sempre triste. Em seu primeiro filme de ficção, a diretora
israelense Michale Boganim nos apresenta uma estória de amor quase documental –
o que vemos ali é real, basta buscar
fotos da região para conferir – de
uma cidade perdida no tempo e isolada do mundo, ainda perigosa e doente, mas
jamais esquecida por quem viveu ali.
Mais sobre Chernobyl aqui.
E aqui sobre Prypiat.
Mais sobre Chernobyl aqui.
E aqui sobre Prypiat.


1 Comentários
Nice post. Graças
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