Mon Roi*
É muito difícil chegar à
conclusão de que um relacionamento não está dando certo. Especialmente se não
falta amor. É sempre doloroso buscar justificativas que fujam do tão conhecido –
e justo se não fosse ilusão – se há amor, vale tudo. É sobre essa dificuldade
em um imenso relacionamento de que trata Mon
Roi.
Enquanto românticos, buscamos
histórias de amor intensas. Sozinhos ou acompanhados, queremos (re)viver no
cinema os romances, sofrer um pouco, nos apaixonar pelos personagens, por suas
histórias. Terminando bem, saímos querendo aquilo para nós, o amor lindo, que
se constrói e firma após algum desencontro e segue seu rumo de felizes para
sempre. Dando errado, seguimos iguais, penosos porque acabou cedo demais o que
tinha grandes chances. Muitos filmes acompanham as duas trajetórias, são feitos
às dezenas e poucos acabam se destacando em nosso repertório. É aqui que entra
a experiência da produtora-roteirista Etienne Comar e da
atriz-roteirista-diretora Maïwenn.
Tony (Emmanuelle Bercot) e
Giorgio (Vincent Cassel) se conhecem e em muito pouco tempo se apaixonam. É um
amor pautado no cotidiano, com uma intimidade crescente entre uma advogada
séria e eficiente, organizada, que trabalha em um escritório e ele, um dono de
um restaurante, claramente um sedutor em todos os níveis, frequentando modelos
e um grupo de amigos moderninhos. Os opostos parecem não ser um problema, o
casal se equilibra numa sintonia fina e o amor se torna maior do que eles. Tony
abre o filme se recuperando de uma grave lesão no joelho em um centro de
reabilitação que a trata física e psicologicamente, enquanto se recorda do
casamento com Giorgio. Nos flashbacks
conhecemos a relação, onde amor é certeza e amálgama, ao passo que o cotidiano questiona
se o para sempre pode ter um fim. O que parece um balde água fria nos
transporta para o extremo oposto e não conseguimos sair imunes.
O roteiro intercala as terapias
de uma mulher física e metaforicamente partida com o que a levou àquele momento.
A fotografia tem uma relação especial com a história – ao passo que na clínica,
há uma luz dourada de verão nos transmitindo tranquilidade, paciência e saúde,
a transição para o passado é sutil e quase não se vê. As diferenças estão nos
planos e enquadramentos inseridos em uma montagem mais atribulada condizente
com o passado, contrastando com um presente mais tranquilo. Emmanuelle Bercot
ultrapassa qualquer definição de grande atriz e entendemos todas as dores e
alegrias de uma mulher que parece uma de nós – à exceção de alguns rompantes
que nos dividem entre o exagero ou desespero. Giorgio é o rei de Tony, e seu
personagem segue a vaidade, grandiosidade e galanteria de conquistador. Ao
mesmo tempo, não é um personagem raso, mas um homem louco por sua mulher e essa
sinceridade é percebida na experiência de Cassel. Louis Garrel é Solal, o irmão
de Tony e é quem de longe sabe o tipo que ela escolheu. Ele quase nos irrita
com suas certezas e deduções calmas, ao passo que conduz bem o papel alerta de
irmão, com a falsa arrogância que encontramos em quem tem uma razão que não
queremos aceitar.
O filme parece sintetizar:
terminamos relacionamentos pelos mesmos motivos que os iniciamos. O que nos demanda
uma retrospectiva matemática de nossas próprias histórias de alguma forma se
confirma e é duro aceitar como verdade. Entregamos-nos e acreditamos estar
vivendo o melhor. O problema é esta montanha russa parece não ter fim e, ao
invés de ficarmos extasiados com o excesso de adrenalina, acontece o que sempre
acontece quando exageramos na dose – enjoamos. Com sorte, tentaremos
transformá-la em uma roda gigante, mais tranquila nos seus altos e baixos e,
ainda assim, com acesso a grandes paisagens, que agora conseguimos enxergar
melhor na velocidade de cruzeiro. Tony e Giorgio tentam, mas a roda gigante
parece não chegar.
Ficamos sem saber se esse é um bom
filme romântico ou realista. Parece com alguma coisa vivida por nós ou por
alguém que conhecemos. O trunfo está em um final interessante, digno de uma
direção cada vez mais experiente e um roteiro bem amarrado, que dá a voz à
mulher, num perfil super humano para algo tão intenso. Talvez não fossem
necessários os 130 minutos, mas, ainda assim, Maïwenn se reafirma na direção,
nos felicitando com um cinema questionador, incômodo e honesto. Emmanuelle Bercot levou o prêmio
de melhor atriz e o filme foi indicado a Palma de Ouro em Cannes este ano.
*Esta crítica e a cobertura do Festival do Rio estão no Blah Cultural! :)
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