Para Roma, com amor
Outro
dia li uma matéria sobre Jonathan Frazen, escritor do mais novo e comemorado best-seller
Liberdade. Ganhei o livro e não o li
ainda, mas o que me despertou foi sua fala sobre a importância do romance na cultura.
É até óbvio pensar isso, sendo ele um escritor de romances, mas é bom que o
assunto apareça quando livros de auto-ajuda e biografias desnecessárias pipocam
por aí. O romance nos transporta para outros mundos, estórias de vidas
possíveis e impossíveis, culturas distintas. Criamos um filme para cada livro
que lemos. O romance é desprendido de obrigação; se lê por prazer. Para o
romance precisamos de tempo, daquele que não tem nada a ver com internet,
tecnologia, bate papo, rede social. O romance só precisa que você se aninhe numa
poltrona gostosa e preste atenção.
Não
conheço muita gente que lê assiduamente. Como também não conheço muita gente
que gosta de Woody Allen (que também escreve!). Acho que os filmes dele são
como esses romances aparentemente simples, mas que vão te ganhando página por
página e às vezes o prazer que sentimos nem está na história em si, mas na
forma como somos levados por ela, na narrativa.
Já
falei que Woody usa o cinema clássico como base para seus filmes. Há o narrador
onisciente que pontua o que é importante e os filmes costumam misturar gêneros,
mas sempre de forma diferente, com aquela característica sutil que define um
cinema de autor – quando sabemos, ainda que por intuição, quem é o diretor (o
produtor ou o roteirista) do que estamos vendo. O último, Para Roma, com amor não é diferente.
A
grande decepção está em quem imagina que esse filme será como Meia-noite em Paris. Meia-noite é incrível e surpreendente,
tem uma trama original e o diretor se aproveita da onda cultural europeia dos
anos 20 pra fazer uma de suas melhores comédias. Roma, que também não é como aqueles filmes nova-iorquinos que fizeram
sua carreira, segue outro caminho. Ao invés de se concentrar numa única trama, os
contos acontecem como nosso narrador
explica, que em Roma, tudo é uma
história. A partir daí temos um pai de família de classe média (Roberto
Benigni) que se torna famoso da noite para o dia e sem motivo, com direito a
paparazzi; uma moça do interior que se perde na cidade e termina num quarto de
hotel de um ator italiano; o marido dela que entra numa confusão com o futuro
chefe e uma prostituta (Penélope Cruz), não suficiente Woody Allen é pai de uma
americana que vai se casar com um italiano socialista e descobre no pai deste
um cantor de ópera e ainda, Alec Baldwin junto com Jesse Eisenberg e Ellen Page
numa história deliciosa sobre o romance propriamente dito. Acho que não falta
mais nada. Com tantos recortes, só nos resta entrar com a pipoca e nos perder
pelas ruas e paisagens italianas.
O
filme que traz a comédia como ponto forte, destaca com ela as outras ideias do
momento: a fama sem motivo e prazo determinado, o que consideramos arte, a
vaidade e, o simples mesmo, os costumes. Alec Baldwin faz o papel do ‘fantasma’
que assombra a consciência do personagem de Eisenberg, que vai receber em sua
casa a amiga da namorada. Ellen Page chega e, se de imediato não impressiona,
depois de um tempo e algum jogo de sedução, se torna uma paixão avassaladora.
Ela me lembrou a personagem complicada de Cristina Ricci em Igual a tudo na vida (Anything Else, 2003).
O mesmo jeito nervoso, a mesma farsa cult.
O momento Benigni traz de volta a comédia italiana num papel de homem simples e
perdido na vaidade que lhe foi imposta com a fama. Não preciso nem lembrar as
referências de fama volátil (jogadores de futebol, bbbs e a lista é grande) que temos por aqui. Essa brincadeira também remete àqueles nossos programas matinais incriveis e de conteúdos sempre fundamentais aos seres humanos, como o que o artista fulano comeu no café da manhã.
As
delícias desse filme não se comparam à fantasia de Meia noite. Aqui temos estórias diurnas, rápidas, contidas nas
falas altas de Penélope Cruz, no noivo italiano lindo, charmoso e sério (para
contrariar o estereótipo), nos jantares tensos de sua família, no conto da
paixão de verão. Essa fase Europa de Woody Allen vem cheia de novos sabores e
cores vibrantes – a impressão que dá é que o fotógrafo agora tem uma
importância maior – ou que nos outros filmes não nos preocupamos tanto, por serem
sempre nos Estados Unidos. Talvez o mais distinto de todos seja, na verdade,
Vicky Cristina Barcelona mas, ainda nele, vamos umas neuroses palpitando aqui e
ali.
Para Roma com Amor é fortemente um filme
turístico; vemos tudo o que é bonito e agradável. É um filme que acontece no cotidiano
das pessoas, na forma em que as histórias simples funcionam, com leveza e graça. Os
filmes de Woody deixam a impressão de que são fáceis de fazer, mas sua
construção é complexa. Orquestrar uma equipe deste tamanho – ainda que seja só
uma parte do todo (porque o diretor não precisa falar com toda a equipe sempre,
mas com os que estão mais próximos) – e manter o clima do filme leve é um
grande trabalho. Conseguir o resultado que vemos e com a qualidade e o talento
de sempre, só se consegue com uma rotina de produção constante. Vale lembrar que
nosso diretor faz em média um filme a cada um ou dois anos, cronograma apertado
para muitos artistas. O que me deixou preocupada na verdade foi notar que a
idade está finalmente chegando pra Woody Allen. Ele pareceu estar mais frágil fisicamente
nesse filme. Ainda assim, não perdeu a mão e agora só nos resta esperar o próximo romance, em qualquer poltrona, com cinema ou literatura.
Título Original: To Rome, with love.
Diretor: Woody Allen
2012, EUA, Itália e Espanha. 112min.


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