Como uma seleção de contos em um livro, 5 vezes Chico – o velho e sua gente é um documentário de 5
diretores brasileiros sobre o Rio São Francisco ou são 5 pequenos documentários
interligados pelo rio. De qualquer forma, é uma coleção de fotografia linda, cheio
de boas histórias e muita verdade.
Gustavo Spolidoro, Ana Rieper, Camilo Cavalcante, Eduardo Goldenstein e Eduardo Nunes se reúnem em torno desse rio que atravessa 521 municípios em cinco estados. Assim, a terceira maior bacia hidrográfica do país é retratada sob cinco vieses: histórias de pescadores, sincretismo religioso, uma família que sofre com a escassez dos peixes, Cícero, um homem que se considera o último cangaceiro do semiárido e vive do turismo histórico e, por fim, desembocamos no encontro do rio com o mar, em cenas belíssimas graças à diretora de fotografia Heloisa Passos, com seu Heleno nos contando um pouco sobre o rio e a importância que tem para sua vida.
Como nas histórias curtas que os bons contos proporcionam, ficamos ansiosos
por ouvir mais, saber mais, ainda que o que se diz ali deva se bastar. Aqui, de
cara nos deparamos com um trabalho estético sem igual, com estas águas correndo
como o sangue nas veias e nos caminhos que perfuram nos solos com sua força em
alguns momentos abrindo os famosos cânions, em outros numa paz que tranquiliza
os corações e proporciona a pesca, a lavação de roupas, a vida ribeirinha.
Vivemos um período difícil no país provavelmente em todos os aspectos. A
cada mirada, um problema se avizinha que parece sem solução e a morte do Rio
Doce, outro fundamental ao país, é mais uma destas grandes feridas – além da já
ameaçada e aguardada para o próximo verão, escassez de água. Ver o Rio São
Francisco em seu esplendor, retratado com a sensibilidade destes diretores tão
diversos que buscaram na vida dos desconhecidos, dos que vivem – literalmente –
à margem, é um presente.
A montagem conecta as histórias de forma sutil e quase não percebemos
que estamos começando uma nova em outro trecho da correnteza. Aos poucos, nos
deparamos com os novos personagens que contam um pouco de suas vidas e com o
olhar sob a cultura nacional vista de dentro e por poucos. Os cotidianos, a
dependência da natureza, o sustento e a vida simples e tão rica nos deixa
saudosos de um passado, de uma viagem em família quando éramos menores e
cruzávamos a Bahia de carro para ver um céu mais estrelado que o da capital.
Neste documentário, não espere dados geográficos, legendas explicativas
dos trechos, suas barragens ou quaisquer interferências pedagógicas – reside aí
a originalidade do conjunto. Não percebemos quem dirige que trecho, da mesma
forma. A ideia é que seja um caminho fluido como o curso do rio, que percorra
os diferentes olhares e que juntos, tome uma forma orgânica. Essa ausência de
pausas nos toma de susto,já que inicialmente esperamos algum tipo de crédito
que separe seus episódios. Após este primeiro momento de adaptação, segue-se
bem e passa-se a acompanhar de forma tranquila o que é exposto. A profundidade da narrativa está nas entrelinhas; o que vemos aqui é a
superfície do rio e de quem vive dele e para ele. Em curtas, não conseguimos ir
ao âmago de nossos objetos, mas tão somente conhecê-los, como se estivéssemos
sendo apresentados ali e ficássemos esperando o momento da conversa. Ficamos
assim, com esta poesia de filme, que traduz um pouco a vida no rio e com o rio.
Nada além, mas, bem feito e um deleite para os olhos, deixando a vontade de
saber mais, entre a superfície das águas platinadas, suas margens e uma
curiosidade insatisfeita e feliz sobre sua natureza e força.