Heroin(e)
Netflix lançou este ano um documentário de 39 minutos chamado Heroína, que trata de uma dura realidade em Huntington, West Virginia, nos Estados Unidos – crescente uso de heroína na cidade. Curto, bem feito e importante, vale atentar para cada detalhe e, tanto da forma de tratar do tema, quanto de como as protagonistas lidam com as situações mostradas ali..
Jan Rader é a chefe do corpo de
bombeiros da cidade e atende às chamadas de emergência por overdose que abundam
no local. Este é o primeiro choque que levamos, a quantidade de chamadas por
dia, o índice crescente de uso de uma droga tão famosa décadas atrás, que nos parecia esquecida hoje, que quase não é mencionada em tempos de anfetaminas,
ácido, maconha e cocaína. Não que todas estas drogas não existissem
concomitantemente com a injetável, mas – talvez por ser injetável e causar uma impressão
forte e triste – não ouvimos mesmo falar, pelo menos nos programas de TV,
filmes e séries.
Não há mais o romantismo da
droga, aquelas cenas em câmera lenta de Trainspotting, de Cristiane F, de Diário de um Adolescente, de Streetwise. Prestando atenção a estes filmes, o próprio romantismo
é criação dos personagens, universo dos viciados que precisam daquele êxtase –
contundente, já que a droga de fato promove efeitos de prazer – ainda que
raros e efêmeros. O fato é que nesta pequena cidade carvoeira americana, onde
parece que nada acontece, o maior problema é o uso. É o que destrói famílias e
é seu combate o objetivo de Rader, da juíza Patrícia Keller e de Necia Freeman,
da Brown Bag Ministry, um programa que oferece alimentos, produtos de higiene e
aconselhamento para usuários e ex-usuários de substâncias.
Jan Rader |
Um tema trágico, difícil de
abordar sem entrar nos clichês, aqui é tratado de forma honesta. A câmera acompanha
vários resgates e o faz de forma a demonstrar que é uma rotina, com o cuidado
de tornar os pacientes anônimos e dar visibilidade aos procedimentos e à
situação de crise que é o grande volume de chamadas de emergência com o mesmo
motivo. Ao mesmo tempo, evidencia como o trato destes pacientes é feito sob a
supervisão de pessoas experientes, nem sempre carinhosas como as mulheres
profissionais e protagonistas do filme, mas certos e seguros – e que também
precisam de apoio na vivência de suas funções. A voz aos usuários é
dada também, em alguns momentos, pontuando parte de suas realidades, mas sempre
com um olhar otimista, indicando o prazer da droga, mas também no que ela
acarreta a curto prazo – já que o uso a longo prazo não existe.
Patricia Keller e Necia Freeman |
É interessante ver a Netflix abraçando filmes com motivos importantes e que provocam questões sobre cultura e comportamento. O que sinto falta neste filme – ou talvez que
servisse de assunto para uma continuação – seria entender se essa questão do
aumento do uso de heroína é local ou se é uma situação ainda mais grave, se é
um retorno da droga a níveis alarmantes e nacional ou regional. O que se diz é
que, por várias pessoas sofrerem lesões em decorrência de suas ocupações, acabam tendo o acesso à drogas analgésicas restringido e encontram a
heroína no meio do caminho. Mas, quem é o provedor, de onde vem? Sendo uma
questão local em uma cidade pequena, não há como combater?
Questões são a parte fácil de
elaborar, claro, especialmente na realidade brasileira em que vivemos, o que
não falta é pensamento prático, propostas e lógica. Seria interessante também
entender como a polícia de Huntington trabalha, se há alguma parceria ou
aliança com os bombeiros, de que forma acontecem as investigações para, pelo
menos, dificultar a entrada ou produção da droga na cidade. Esta é outra história,
entretanto, e é só mais uma das reflexões que filmes assim provocam. Seu titulo não passa despercebido, as mulheres dominam a cena e a batalha
contra o vício e as mortes provocadas por eles, salvando usuários, os mantendo
em programas de reabilitação, redução de danos e combate ao vício. Heroínas
sim, são Jan Rader, Patricia Keller e Necia Freeman, além de Elaine McMillion
Sheldon, que dirige o filme e vivenciou situações como esta em sua cidade natal,
o tornando fundamental. Vale cada minuto.
0 Comentários