Best of Enemies

by - fevereiro 10, 2016

Em dias muito muito quentes não consigo fazer muita coisa. Acho que sou como os cachorros, fico parada em algum canto, o lugar mais frio da casa – ou de qualquer lugar – me movendo o mínimo possível. Em um destes episódios, me peguei assistindo Best of Enemies. O filme estava há meses na lista, mas eu não estava pronta para ele. Documentário de 2015 sobre uma série de debates que aconteceram na ABC americana nos fim dos anos 60, entre Gore Vidal e William F. Buckley Jr. – o último, um perfeito desconhecido para mim – era algo que poderia esperar.

Gore Vidal eu sabia quem era. Tinha um livro dele pela casa, Kalki, que um ex deixou anos atrás. Tentei lê-lo algumas vezes, mas acabei parando no meio. O fato é que sabia que o autor era um intelectual sério e respeitado, crítico norte-americano. Não sabia da participação dele no cinema, isso veio bem depois – ele é ninguém menos que o roteirista de Calígula (1979). William F. Buckley Jr. é a novidade. Ultra conservador americano, também intelectual e fundador da revista National Review, eram claramente opostas as posições sócio-políticas e culturais dos dois. Buckley era relevante em seu meio e ganhava notoriedade à medida que galgava seu espaço televisivo. Representava a família branca e tradicional, elite econômica americana. Gore Vidal era homossexual.

A ABC, quarta emissora em audiência no país, resolve em 1968 promover uma série de debates entre eles sobre as eleições presidenciais daquele ano. A ideia era contrapor argumentos e acalorar um debate político interessante e inteligente. O detalhe é que a emissora subestimou seus protagonistas.
O documentário parte deste mote, exibindo trechos dos debates e, à medida que as trocas de farpas esquentam o clima, nossa ansiedade cresce junto e esperamos, como um novo capítulo de novela, o ‘dia’ seguinte. Ao mesmo tempo, correm em paralelo os acontecimentos daquele ano, o que provocou aquelas discussões, quem eram os candidatos à presidência, o que cada um representava. Esta postura é quase pedagógica, mas feita em bom ritmo, parecemos viver aquele 68 agora, pontuados por observações de quem conviveu com os dois protagonistas.

Best of Enemies é um grande titulo, literalmente falando. Quando pensamos em debates presidenciais, vêm à mente aquela palhaçada que vivemos a cada quatro anos, muito mais um programa de entretenimento do que um serviço de utilidade pública, como deveria ser. O problema dos nossos programas está nos candidatos que não se preparam para discutir política. Ficamos sem conhecer seus projetos, suas ideias para o desenvolvimento do país e vemos um bate boca sem fim de injúrias tão rasas quanto àquelas que praticamos na infância. Não temos os melhores adversários possíveis, não ficamos em dúvida por suas propostas, não continuamos a conversa entre nós, em casa ou na rua. Os nossos são sobre a superfície dos argumentos, o disse-me-disse, quem bate no palanque, quem grita mais alto e quem rouba menos. Não digo com isso que os daqui são piores do que os de lá, mas a ideia da emissora de colocar intelectuais ao invés de presidenciáveis se torna mais interessante porque em tese, ouvimos as opiniões embasadas sobre os assuntos e não uma corrida por medalhas.

Mas, somos de carne e osso e assim são nossos oponentes e as pessoas da televisão. O filme passa uma ideia de que Buckley de fato estava lá para discutir e defender seu candidato e supostamente Gore Vidal deveria fazer o mesmo. Mas sua ideia era outra: ele encarava Buckley como seu inimigo, com ideias perigosas para a nação, quase um Donald Trump e isso é bastante assustador, queria desmoralizá-lo combatendo seus argumentos com outros melhores e contundentes. Era sim, uma batalha ideológica.
A ABC, agora líder de audiência no horário nobre, não sabe o que fazer além de se manter firme em sua proposta, deixando o mediador tonto, sem conseguir barrar as trocas mais violentas. À medida que o programa corria ao vivo, a crise política avançava – a questão racial entrou em foco e manifestações violentas tomaram o país, os Estados Unidos insistiam na Guerra do Vietnã – os ânimos se acirravam em todos os meios de comunicação. O filme transmite bem essa efervescência nos encaminhando para um final imprevisível.

Os diretores, Robert Gordon e Morgan Neville nos dizem mais: os debates se tornam, eles mesmos, notícias. As outras emissoras e meios de comunicação passam a acompanhar a trajetória ao longo dos dez dias que marcaram de vez a televisão americana. A tv não existia há muito tempo, mas já havia construído um padrão jornalístico e de entretenimento e aqueles embates eram novidade, como uma troca de tapas com luvas de pelica. Após este, diversos outros programas foram criados com esta base, programas de debates com personagens fortes – mas nunca seriam como o primeiro.

Mandei um recado para um amigo phd em política internacional que mora em São Paulo, para que me ajudasse com informações sobre Buckley, Vidal e lhe pedi uns textos para iniciantes, para trocar umas figurinhas sobre esses caras tão importantes para os Estados Unidos de então. Terminei de ler um livro sobre documentários que falava que o espectador assíduo está sempre em busca de conhecer mais, de exercitar sua curiosidade. Talvez seja isso mesmo, essa febre que me acontece e me deixa carente de pessoas tão doentes quanto eu. Quem me dera o amigo de fora estivesse aqui para ver comigo essa pérola escondida da Netflix e me aturar nas perguntas de base. Vale cada minuto.

*Caso alguém se interesse, não será tempo perdido e estarei esperando para trocarmos ideias.

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