Mahomed Bamba

by - novembro 17, 2015


Bamba nos deixou de golpe. Como um raio, passou rápido demais, naquela luz toda que só vemos de relance e às vezes piscamos e perdemos sua beleza. A notícia de sua ausência veio como o estrondo que o raio faz, o trovão que nos deixa trêmulos no coração, nas pernas, o susto que aperta o peito e traz a adrenalina. Da adrenalina eu sempre gostei. Sou de natureza tranquila, mas os agitos são bem vindos. Passando férias curtas na Bahia escolhida por ele para viver e onde nasci e sempre elegi como minha eterna paixão, aqui também Mahomed Bamba ficou. 

Conheci esse homem lindo como meu professor de Estética do Cinema talvez em 2001, 2002. Simpático com todos, educado, gentil, cortês, nos seduziu imediatamente. Éramos a primeira turma do curso de cinema na cidade. Jovens cheios de energia criativa e vontade de ser artista. Ele chegou rindo, aquele sorriso largo, uma qualidade no ensino, aulas deliciosas e iluminadoras. Como todos nós, ele não era perfeito, mas era uma dessas pessoas maravilhosas que temos sorte de conhecer e nem pensamos em muito mais do que isso. 

Lembro de um dos primeiros Panoramas de Cinema que exibiu um filme de Costa do Marfim. Era em um dia de semana - ou talvez um sábado - de manhã, nesses horários que só gente cinéfila maluca frequenta as salas. Éramos cinco anônimos numa sala vazia de multiplex de shopping e quando a sessão acabou, ouvi o "madmoiselle reuter" de sempre. A única aluna do curso de cinema na sala, ele me perguntou por que ver um filme da Costa do Marfim e eu disse que era por não conhecer o cinema de lá e ter como referência do país justamente ele - o professor. Assim nos tornamos amigos, eu acho.

Sempre existiu um carinho mútuo muito grande. Ele me acompanhou durante a graduação e até no conturbado trabalho de conclusão de curso que me fez querer acabar com o autoritário produtor francês. Com toda a paciência do mundo, este homem mediou os conflitos, traduziu os idiomas de lá pra cá e de cá pra lá, me fez mais tolerante e finalizamos - com a ajuda de tantos outros colegas e professores - o primeiro filme da minha vida, o mais complicado, a primeira experiência meio profissional. 

Eu às vezes pensava que sentia falta de ter um mentor. Sabe quando estamos meio perdidos sobre o que fazer da vida, escolhas de carreira, estudos, viagens? Eu sempre vivi e vivo isso, são crises cotidianas, mas percebi que ao contrário do que pensava, não estava sozinha. Meus mentores me acompanharam e aconselharam durante algum tempo, foram talvez uns quatro ou cinco professores que viraram amigos pra vida. E, ainda assim, de todos eles o que mais teve paciência e esteve presente até alguns dias atrás foi justamente esse moço marfinense. Moro no Rio de Janeiro há 7 anos e nossas conversas de corpo presente foram substituídas pelo universo virtual dos e-mails e trocas de mil dicas, piadas, sugestões e mensagens no facebook. A essa rede social só tenho a agradecer agora. Mas foi esta mesma rede que partiu meu coração ontem, indicando o fim da parceria.

Da adrenalina pesada convertida em lágrimas incontroláveis de um coração que tem vergonha de chorar em público mas não se controla e se esvai em rio, tento transformar a dor nos sorrisos que ele sempre tirou de mim e de quem viveu junto de alguma forma, em abraços solidários e também inconsoláveis. Das críticas dos filmes que me pedia para escrever, das que me indicava para ler, das trocas de opiniões com a aprendiz que sempre serei, das discussões no facebook - das engraçadas sobre qualquer maluquice - às cinematográficas. As mil dicas sobre livros e filmes, as mil horas me ouvindo sobre os cursos de cinema fora do país, os mestrados aqui e ali, os oitocentos projetos inacabados. Só tenho a agradecer por tudo e pedir desculpas, talvez, por não ter dado mais em retorno. 

Entre ontem e hoje foram não sei quantos recados, notas e homenagens dos meus colegas e amigos, alunos e professores, conhecidos e desconhecidos. Esse homem era unânime, foi a palavra que eu encontrei. Que tentemos levar nossas vidas como ele seguia, com um sorriso que até quem não o conheceu sabia ser honesto, elegante, sincero.

Eu só queria ter convivido mais tempo. Queria ter vindo pra esse último Panorama que você me chamou e não vim. Queria mais um cafezinho, mais discussões, mais comentários. Ficou um carinho imenso, essa vontade de chorar que vai e vem da saudade e a lembrança desse homem brilhante e carinhoso que tive a honra de conhecer. 

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2 Comentários

  1. Obrigada por ter colocado em palavras sentimentos que também são meus e por, com esse texto lindo, eu ter finalmente me permitido chorar. Tava engasgado. Esse meu entendimento racional das passagens e partidas, no fundo, quer apenas esconder a tristeza e a saudade que ficam.
    <3

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  2. Tenho essa dificuldade também, Lela, mas não consigo controlar o tempk inteiro. Vamos lembrar dele feliz como sempre foi e chorar a saudade, apenas. <3

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