Mad Men

by - abril 07, 2015

Essa semana é o início do fim de uma era. Como anunciada pela própria AMC, detentora dos direitos de exibição de Mad Men nos Estados Unidos, uma das maiores séries de todos os tempos chega ao fim. E não é daqueles finais de mentira, em que ano que vem mudam de ideia e produzem mais uma temporada. Essa termina mesmo. Mas por que uma série sobre os homens das agências de publicidade nos anos 60 em Nova York faria tanto sucesso agora?

Don Draper (John Hamm) é o diretor criativo da Sterling Cooper, uma agência de publicidade de Manhattan. Casado, família feliz no subúrbio e mulher perfeita, é o padrão do homem de negócios que vive uma vida dupla, com suas liberdades na cidade e o conforto de um lar sempre bem arrumado e disponível para lhe atender. Betty Draper (January Jones) é sua mulher, uma ex-modelo que largou a iniciante carreira para se casar com o homem dos sonhos. Ansiosa e começando a ter ataques de pânico, ficamos surpresos de já perceber uma complexidade em uma personagem que não parecia ser tão importante na trama. Ledo engano.

De volta ao escritório, Joan Harris (Christina Hendricks) é a responsável por todas as secretárias e é meio o departamento pessoal da empresa. Ela é quem direciona, ordena, educa as novas moças, para que atendam às necessidades de seus chefes mimados. Percebemos nela um poder feminino – além de uma beleza estonteante – utilizado de forma brilhante e às vezes ingênua, à medida do que era possível na época. É ela quem recebe Peggy Olson (Elisabeth Moss), a nova secretária de Don que chega no primeiro episódio e se torna uma das protagonistas da série. Ainda estranha em uma terra estranha, Peggy é assediada por todos os jovens executivos – assédio não era um problema na época – entretanto, ela inverte o jogo: casamento não é a carreira que busca ali dentro.

Roger Sterling (John Slattery) é um dos sócios da agência que, junto com seu mentor, Bert Cooper (Robert Morse), fazem a magia acontecer no encontro com os clientes. Como qualquer agência de publicidade em qualquer lugar e época, essa também é repleta de jovens vivendo seus vinte anos buscando glamour, cheios de ambições, hormônios e ansiedades, sempre à flor da pele. Mas a série ainda vai além desse ecossistema, do envolvimento de clientes e campanhas e outros grandes personagens: Don é como um Dr. House, um gênio criativo que promove soluções surpreendentes ao custo de uma personalidade forte, sedutora e difícil. Encantador de mulheres e destruidor de corações guarda insegurança e mistério latentes, que desvendaremos aos poucos.

Se no início da série entramos nos anos 60, esses mad men – como a série indica, termo criado por publicitários para definir publicitários – viviam uma vida de estabilidade e segurança da década anterior. Em casa, a paz de uma família com funções definidas e liberdades cerceadas. Em Manhattan, tudo o que o dinheiro e o poder podem lhes oferecer. A grande sacada é a década em que tudo se passa. Os anos 60 são um dos pilares da revolução cultural mundial e em Nova York isso é demonstrado gradual e inteligentemente. Vemos o comportamento feminino se transformando, personagens conquistando seus espaços e revendo seus próprios conceitos, liberdades sendo concedidas, divórcio, aborto, o rock’n roll, as danças, a bebida. Isso apenas em comportamento. Historicamente, ainda mais: o crescimento da televisão nos lares e como a própria publicidade se transforma e ganha espaço para além dos impressos, Nixon, todos os Kennedys em suas tragédias, Martin Luther King, Muhamad Ali (então, Cassius Clay), Vietnã, homem à Lua, mísseis em Cuba, Beatles, Bob Dylan, Stones. É um momento revolucionário no sentido pleno da palavra e que se aplicou em todos os aspectos da sociedade de então. Onde mais isso se veria de forma tão gritante e explícita se não numa agência fomentadora de tendências e ideias, vendendo produtos que atendam a esses novos comportamentos, desejos e modismos?

A série, exibida no Brasil pela HBO, seduz logo na primeira temporada, apresentando os personagens em diálogos rápidos, inteligentes, cheios de segundas intenções e subentendidos em trocas de olhares e muitos, muitos cigarros e doses de uísque. A vida desses homens e mulheres dentro da agência em disputas de poder e vaidade é alimentada pelas relações fora dela: os casos extraconjugais, as crises daí decorrentes, seus núcleos familiares. É uma trama intricada de base simples, sua narrativa vai se amarrando à medida que seus personagens deixam o primeiro perfil que apreendemos e se tornam mais complexos, reduzindo  estereótipos e lhes enriquecendo de humanidade.
Com uma fotografia trabalhada de forma a mostrar a arquitetura, a decoração e planos que complementavam o olhar de cada protagonista em cena, com uma direção de arte impecável, figurino e a própria forma de se travarem os diálogos marcando firmemente a geração e suas transformações, Mad Men arrebatou 93 premiações (incluindo 4 Globos de Ouro e 4 Emmys) e 271 indicações em todas as categorias possíveis.  A série de Matthew Weiner (um dos criadores de Os Sopranos) estreou em 2007 nos Estados Unidos e é sucesso absoluto. Ela, não apenas faz uma contextualização histórica muito fiel, trazendo um cotidiano de comportamento e mídia, como transcende a narrativa de base – estamos diante de um drama sobre pessoas e suas relações diante de um novo mundo que se descortina em uma década única. A conheci há pouco tempo e só não me arrependo mais pelo atraso, porque consegui ver todas as temporadas sem esperar em agonia. Até agora.

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