Crítica: Repulsa ao Sexo

by - novembro 02, 2012

Roman Polanski tem uma história de vida difícil de defender. Tal qual Woody Allen, lhe pesa uma acusação forte e bizarra, entre estupro e pedofilia que o torna asqueroso e quase dá raiva ver seus filmes ótimos perderem valor com as acusações que recaem sobre seu diretor. Em todo caso e sem defender ninguém, trago a crítica de Repulsa ao Sexo (1965), indubitavelmente um grande filme.


Há uns anos, comprei uma autobiografia de Roman Polanski num sebo. Comecei a ler, mas me perdi no meio. Depois de ter visto um documentário meio fraquinho sobre ele no Festival do Rio, peguei o livro de volta. Boa parte do que Roman contava na conversa com o amigo diretor do filme, eu já havia lido, mas me deu uma curiosidade de saber com que filme ele conseguiu o reconhecimento.

Depois de A Faca na Água (1962) – seu primeiro filme com alguma reputação na Europa – Roman fechou em Paris em 20 dias o roteiro de Repulsa ao Sexo. Em sequência, foi à Londres e lá conheceu a Compton Club, uma mistura de produtora de filmes e exibidora de eróticos que queria mudar de ramo – e de imagem. Eles toparam fazer o que classificaram como filme de terror. Fecharam o orçamento em 45 mil libras – que logo se transformaram em 95 mil – e depois de alguma dificuldade de produção, o filme ficou pronto.

Como resultado, Repulsa ao Sexo tornou-se um compromisso artístico que nunca chegou à plena qualidade que eu buscava. Rememorando, os efeitos especiais me chocaram como sendo descuidados e os sets poderiam ter sido mais bem acabados. Entre todos os meus filmes, Repulsa ao Sexo é o de menor qualidade – tecnicamente, bastante inferior ao padrão que tentei alcançar. Sua insatisfação é justificada no livro; como o filme estourou o orçamento, volta e meia seus produtores tentavam encurtar a produção, afetando o resultado final. Ainda assim, Roman conseguiu muito do que tentaram cortar, mas sempre sob grandes lutas e discussões que quase o levaram a desistir. Com todo tormento, o filme é soberbo, Repulsa levou o Urso de Prata em Berlim, em 65.

Carol (Catherine Deneuve)
Contando com Gil Taylor, o fotógrafo de Dr. Fantástico (1964)  e Os Reis do Iê-iê-iê (1964), o filme é genial. A censura inglesa não fez cortes e psicanalistas perguntaram a Roman o que ele havia estudado para a construção de Carol, a personagem de Catherine Deneuve baseada em nada além de uma garota estranha que saía com um amigo dele em Paris e alternava entre a repulsa e um desejo sexual desenfreado. O filme é centrado nela, uma manicure linda e jovem, tímida e introspectiva que mora com a irmã. Insegura com a proximidade da viagem de férias desta, Carol insiste para que ela fique em casa, quase um apelo desesperado como quem vislumbra o mal à espreita. Dito e certo, quando só, Carol inicia um surto psicótico com alucinações de homens vindo a seu encontro. O filme foi o primeiro da trilogia do apartamento que surgiria com o sensacional O Bebê de Rosemary, em 1968 e O Inquilino, em 1976.

Trabalhar com Catherine Deneuve era como dançar um tango com um parceiro super hábil. Ela sabia exatamente o que eu desejava dela no set. Entrava direto no âmago do seu papel – tanto, que quando a filmagem terminava, ela própria parecia alheia e um pouco aloucada. A essa época, Catherine tinha 22 anos, mas já uma carreira no cinema, tendo feito mais de dez produções. A atriz segura o filme quase silencioso, com a câmera sempre próxima a seu rosto sem maquiagem, reagindo ainda à trilha sonora que enfatiza a tensão sem a gratuidade do suspense americano. O único momento de maior impacto sonoro é a primeira cena de alucinação, que nos faz pular da cadeira.


As notas de produção sobre Repulsa estão em pouco mais de dois capítulos do livro. Dá vontade de seguir contando tudo, mas aí se perde um pouco do filme. Vale ver como o suspense é criado com pouquíssimos diálogos, como Catherine incorpora Carol e como é esse estar alheia e um pouco aloucada de que trata o diretor. O olhar perdido, a ameaça constante de algo que não vemos, a distorção dos espaços. Para isso, a produção construiu um apartamento cujas paredes pudessem se mover, a fim de criar a ilusão de alteração da percepção espacial que uma distorção psíquica pode provocar. Hitchcock havia feito isso antes em Um corpo que cai (1958), quando James Stewart sobe uma longa escada em espiral. Com medo de altura, ao olhar para baixo a escadaria parece ainda maior e é, na verdade. Não havendo forma de alterar graficamente as cenas na época, era sempre necessário construir cenários flutuantes para garantir o efeito desejado. 

Repulsa ao Sexo se tornou a porta de entrada oficial de Polanski ao cinema do mundo. Com uma biografia tortuosa que envolve sua família campos de concentração, Segunda Guerra, lares adotivos, assassinato da esposa e suspeita de estupro, não existe forma de não respeitar esse cineasta por sua resistência. Desde pequeno buscando a educação profissional para o cinema, considera O Pianista (2002) seu melhor filme – talvez por ser um pouco autobiográfico – o que nunca significaria que os demais não são tão bons quanto. Repulsa e Rosemary, Lua de Fel (1992), A Dança dos Vampiros (1967) são inesquecíveis. Talvez em O Pianista ele tenha conseguido tudo o que sempre quis num filme e portanto a preferência, mas a tensão criada e os desdobramentos inevitáveis de Repulsa nos deixam meio estranhos no final, pensando, como ele nos conta, que qualquer pessoa, uma vez ou outra, experimentou um pavor irracional de alguma presença sinistra em sua casa. Uma ocasional troca de móveis, um assoalho que estala, um quadro caindo da parede – qualquer coisa pode disparar essa sensação. O que criamos a partir deste medo é que vai nos distinguir ou nos aproximar de Carol. Mas isso é outra história.

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1 Comentários

  1. Não vi esse filme ainda. Agora fiquei muito curiosa. Adoro temas que envolvem a complexidade da mente humana + usos da linguagem cinematográfica. Porque o cinema é capaz de ilustrar (ou ao menos tentar) a abrangência que temos dentro de nós mesmos. Outro dia revi "Persona", de Bergman, no Futura e fiquei pensando sobre isso. Enfim... para aqueles que buscam, cinema pode ser pura filosofia!

    Bjos

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