Stories we tell

by - outubro 06, 2012

Acho engraçado quando me perguntam sobre o que vou assistir no cinema: mas é documentário ou filme? Não que não exista diferenças entre a ficção e a não-ficção, mas os dois tipos de produção têm as mesmas características primordiais: podem ser sobre um fato real ou não, têm narrativa, personagens, diálogos, trilha sonora... o que muda é só a forma, nada mais. Ainda assim – e por mais que o público para esse tipo de filme tenha crescido bastante – rola um preconceito, como se a ficção fosse responsável por todo o entretenimento e sobrasse só a parte chata para o documentário. 

Histórias que Contamos é um documentário que lotou as sessões do Festival do Rio. Foi uma surpresa, é verdade, não esperava que um filme canadense sobre a família de uma atriz não blockbuster tivesse tanto apelo, mas me enganei. Sarah Polley tenta recontar a história de sua mãe através de conversas com seus irmãos, pai e amigos próximos, a fim de descobrir como era essa mulher que ela conheceu por tão pouco tempo.

Por que um filme sobre uma família que não conhecemos nos interessaria? Os documentários têm se tornado cada vez mais pessoais, centrados em experiências de vida dos próprios diretores ou ainda, buscando nas pessoas comuns, motivos para filmar. O meu interesse é claro; gosto de buscar uma forma de contar histórias reais com imagens, de encontrar uma particularidade no mundo que seja interessante ilustrar e que sim, tenha alguma relação comigo – cá entre nós, todos os filmes têm a ver com seus autores, exceto talvez, por aqueles dominados pelo mercado. Fui para este filme depois de ter visto os primeiros segundos do trailer. O carimbo do NFB – National Film Board, do Canadá – ajudou: acompanho os filmes deles há algum tempo, especialmente os projetos interativos, alguns são incríveis, mas sem divulgação para atingir grande público. O Canadá tem uma forte e tradicional escola de cinema – documental e de animação – que investe em projetos criativos e diversificados, basta ver no site o volume de produção. Então, além do selo, o trailer me ganhou com a seguinte locução off em imagens domésticas: quando você está no meio de uma história, ainda não é uma história. Mas apenas uma confusão, um rugir obscuro, uma cegueira. É só depois que se torna algo parecido com uma história, quando você a está contando para você mesmo ou para outra pessoa. Se pensarmos bem, é isso mesmo: uma história só existe a partir do momento em que é contada, em que é criada uma narrativa sobre um acontecimento. Fui ao cinema.

Além do jogo narrativo com diversos ângulos da mesma história, é um filme de família. O tema sedutor promove um olhar sobre os entes queridos não apenas para guardar registros, mas para descortinar um mistério íntimo. Para quem foi criado em uma família unida, fica claro que ela é a principal responsável por construir uma visão de mundo em que você faz parte, baseada na educação, nos valores e na cultura privada que o núcleo desenvolve. Interessa bastante – e é voyeurista – perceber como os outros vivem, como carregam as características que os definem como parte desse grupo e os diferencia dos demais, como percebemos sua intimidade até parecida com a nossa, sem fazer disso um reality show.

Quando eu vim pro Rio em 2008, participei do Recine, um festival de cinema de arquivo que ofereceu uma oficina de realização. Dela saiu No tempo de meu avô... um filme de 3 minutos em que eu fiz uma brincadeira, uma homenagem a meu avô paterno que faleceu quando eu era criança. Como não soube muito dele, busquei na família – em minha avó principalmente – suas histórias, queria conhecê-lo da forma que era possível. Com fotografias antigas e imagens do Arquivo Nacional brasileiro, construí fragmentos de uma vida que talvez tenha sido um pouco real. Qual não foi a minha alegria quando vi Sarah Polley fazendo algo parecido sobre sua mãe?

O filme dela é um longa-metragem lindo. Monta a trama a partir de entrevistas atuais com seus irmãos, com o pai e amigos, imagens de arquivo em super-8, incrementando o caráter afetivo do que vemos. A película de super-8 granula muito fácil e dá aquela impressão de foto antiga, de máquina de revelar. Mesmo não sendo imagens de nossa família, imaginamos nosso pasado com essa cara de registro também. Juntando a isso, temos filmagens complementares – reconstituições com atores, ilustrando o que faltava. Sob a narração de seu pai, conhecemos sua mãe e vamos além: não é pela exposição familiar, a revelação de um segredo, mas uma construção narrativa complexa de um acontecimento tão mirabolante, que o pai resolveu colocá-lo no papel. É esse o texto que ele lê para nós. Sarah, por sua vez, fala muito pouco. Ela é quem faz as perguntas, mas pouco responde quando é questionada. O objetivo dela é ouvir, mostrar ao espectador como cada um conta a história - ou sua história. Com uma equipe enxuta e sendo integrante da família que quer saber o que os outros pensam, as entrevistas são sempre carregadas de lembranças de momentos especiais e situações inesperadas. Estamos com a diretora, que transforma em presente uma descoberta já feita e cria em nós suspense, sofremos de ansiedade até o clímax, rimos e nos emocionamos; aquela família é a nossa, durante os 108 minutos da projeção.

Premiada em diversos festivais e indicada a outros tantos, Sarah Polley é uma atriz reconhecida. Nos traz esse documentário, dirigido e escrito por ela, que segue visitando diversos festivais. Para ela, como para mim, cada familiar é participante ativo de uma memória coletiva, em que cada um entende possuir a versão verdadeira dos fatos. O interessante é que existem tantas versões quanto são seus atores e é essa fascinação por encontrar o real a partir do outro que nos move. Ela constrói com cada olhar, um mosaico de informações que se complementam e se contradizem a todo instante. A partir daí, vemos uma questão se formar em nós: onde está a verdade? Quem a detém? E a resposta surge como outra questão: importa? Não são todas essas histórias um pouco verdadeiras?

Aqui um texto de Sarah sobre seu filme.

Posts relacionados

1 Comentários

  1. Esse eu queria muito ver. Adoro Sarah Polley! Quem sabe ele fica pra respescagem.

    Bjos

    ResponderExcluir