Livro: Vendo Vozes, Oliver Sacks

by - março 20, 2011

Quando estava na faculdade de cinema anos atrás, estudei um pouco sobre linguagem. Numa matéria que não me lembro agora – se oficina de comunicação escrita ou semiótica – tratamos da origem da linguagem, do fim da oralidade para a escrita e me surgiu uma questão que ficou sem resposta: como é pensar sem palavras? Porque, toda vez que pensamos, frases, verbos, construções lingüísticas são feitas em nossa mente. Como Oliver Sacks diz em Vendo Vozes, a fala faz parte do pensamento.

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Estava no sebo aqui na frente de casa – que por sinal vai fechar as portas e me deixar tristíssima mês que vem – vendo se achava alguma coisa que me despertasse a curiosidade e meio sem querer, o cara que trabalha lá me mostrou esse Vendo Vozes. Resolvi levar e, entre a dúvida e o arrependimento por ter dito isso, fui pra casa com o livro na mão. Achei que esse poderia ser daqueles que compramos no impulso e ficam empoeirados em casa como uma proposta para um futuro improvável. No fim das contas, comecei a ler o livro e não consigo largar dele.

O livro trata um pouco da história da surdez pré-lingüística e o surgimento da língua dos sinais e de sua importância. Surdez pré-lingüística foi o termo que deram para aquelas pessoas que nascem surdas, que não tiveram acesso até onde se recordam de ouvir qualquer palavra. Claro que para isso, consideramos a palavra como forma de linguagem primordial e essa é uma questão também levantada e bem lembrada de sua importância quando o autor cita a Bíblia, como um dos grandes exemplos: no princípio era o Verbo. 

O que passa é durante a história da evolução da linguagem dos sinais, viu-se que o desenvolvimento humano dos surdos nesta condição era muito mais rápido do que se eles aprendessem de imediato a ler lábios, falar como fosse possível – já que não tinham parâmetro para como falar, se nunca ouviram – ou até escrever.  Mas isso ainda não respondia a minha pergunta, apenas a tornava mais densa. Eu tinha pensado nos surdos, sabia como eles se comunicavam, mas nunca havia me passado pela cabeça a possibilidade deles não pensarem como os que ouvem ou já ouviram pensam. E aí a pergunta segue viva.

A leitura é extremamente acessível, como vários outros livros de Oliver Sacks, esse neurologista que trouxe aos pobres mortais conceitos, questões interessantes e normalmente restritas aos ambientes acadêmicos e profissionais. Uma das pistas que me ajudam a chegar perto da resposta que procuro é:


“A linguagem [de sinais] que usamos entre nós, sendo uma imagem fiel do objeto expresso, é singularmente apropriada para tornar nossas idéias acuradas e para ampliar nossa compreensão, obrigando-nos a adquirir o hábito da observação e análise constantes.”

Ou ainda


“Com base na linguagem da ação, De l’Epée criou uma arte metódica, simples e fácil com a qual dá a seus pupilos idéias de todo tipo e, ouso dizer, idéias mais precisas do que as que em geral se adquirem com a ajuda da audição. Quando, na infância, somos reduzidos a julgar o significado das palavras a partir das circunstâncias nas quais as ouvimos, ocorre com freqüência que apreendemos o significado apenas aproximadamente e nos satisfazemos com essa aproximação durante toda a nossa vida. É diferente no caso dos surdos ensinados por De l’Epée. Este só tem um meio de dar a eles idéias sensoriais: é analisar e fazer com que o pupilo analise junto. Assim, ele os conduz de idéias sensoriais a idéias abstratas; podemos avaliar o quanto a linguagem da ação de De l’Epée é mais vantajosa do que os sons falados por nossas governantas e preceptores.”

Esses são trechos tirados do livro de outros autores - sendo o primeiro um surdo 'pós-linguístico' e do século XIX, quando a surdez já era vista não como um impasse, mas um desafio a superar, que era descobrir uma forma de desenvolver, de dar valor e condição a estas pessoas. 

Entretanto, minha questão primeira não foi resolvida e ainda há outras no caminho, quando leio o livro. Acabo de falar com um amigo que teve a experiência de ensinar a surdos com um intérprete para LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). Ele me disse que não havia um ‘gesto’ específico para FÍSICA, e que assim, a intérprete tinha que soletrar. Tudo bem, é uma saída, mas ela destoa um pouco das noções (ok, séc. XIX) acima, quando entendiam ser a linguagem dos sinais completa. E, pensando adiante, como se definem algumas abstrações? Como se define paz, saudade... será que há um gestual ou serão soletrados também, o que acaba se tornando necessário retornar à palavra... e voltamos à questão do ensino da mesma e o pensamento ‘sem palavra’ passa a se tornar mais difícil.

Acredito que não encontrarei as respostas neste livro - nem ele se presta diretamente a esse tema, mas já traz alguns desenvolvimentos e eu ainda não passei de um terço da leitura. A partir dos surdos talvez se chegue mais perto, ou se imaginássemos aqueles idiomas de símbolos, como o Chinês, Japonês... apesar eles também escreverem conforme o alfabeto, há os símbolos que formam diretamente conceitos e não letras. Mas ainda não é o caso, já que é apenas uma convenção de conceituar através dos símbolos as palavras que entendemos. É só um ‘alfabeto’ distinto.

Isso parece mais uma história sem fim, mas até o fim do livro, alguma noção deve surgir ou pelo menos, ainda mais questões.

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1 Comentários

  1. MAHOMED BAMBA04 abril, 2011

    ..GOSTEI da abordagem da comédia romântica e da tentativa de definição deste gênero a partir da janela e do público que a televisão lhe dedica. Porém, acho meio redutor e reducionista e injusto ver o público doméstico nesses termos e com o critério do "ócio".(srsr). O consumo doméstico dos filmes, pela mediação da Tv ou não, precisa ser estudado e apreendido a partir de uma outra ótica. Mas reconheço que não era o objetivo do seu texto.

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