O Pequeno Nicolau

by - setembro 05, 2010

Ontem eu lia um livro que em aparecia um personagem que falava da infância. A história do livro é legal, sobre um cara que vai se redescobrindo a partir de um pé na bunda recebido de uma mulher de quem ele não se lembrava. Este outro personagem falava que não gostava de crianças, mesmo sendo um escritor de livros infantis e que só gostaria daqueles que fossem seus. Ele dizia que a infância é muito séria, que as crianças são sérias e cheias de idéias sobre as coisas e o trato consigo mesmas não é tão livre quanto os adultos pensam. Dizia ele que as crianças da forma como são, dariam ótimos adultos.

Fiquei pensando nisso, porque dá a impressão de que esquecemos como fomos agora que crescemos e as lembranças parecem ficar presas em caixas, que quando abrimos, vemos uma bagunça de histórias acumuladas e não dá pra ter uma idéia mais precisa de quem éramos, fica apenas uma nuvem confusa de memórias. Ao mesmo tempo, acho que com um exercício de volta ao passado, dá pra lembrar de grandes momentos, recolher as fotos e os amigos, até pra ver se o que queríamos ser quando grandes, conseguimos realizar.

A história de Nicolau inicia assim. Está na sala de aula, sua professora pede a todos que façam uma redação sobre o que querem ser quando crescerem. E ele descreve seus amigos naquele instante pelo que querem ser, enquanto ele mesmo ainda não sabe. É essa seqüência que abre O Pequeno Nicolau, em cartaz nos cinemas.

De início nada sabemos, o cartaz é uma foto divertida de alunos de uma mesma sala de aula, todos com caras sapecas e suas descrições resumidas em legendas, já dá a impressão de ser um filme divertido. Mas esta situação transcende a imagem parada. Nicolau é este menino no centro da imagem, com cara de líder da máfia infantil que está preocupado com o que lhe vai acontecer quando seu irmãozinho nascer – ele acredita que será deixado numa floresta, esquecido para sempre. Para resolver a situação, junta seus amigos e bola um plano para fazer com que seus pais o queiram de volta. Com isso, o filme não fala apenas sobre Nicolau, mas também de seus amigos, das famílias e da escola, criando não um retrato, mas uma coleção de memórias sobre a infância.

Aqui a infância é tão séria como a que li no livro lá de cima – Talvez uma história de amor, Martin Page – as questões têm fundamento, os medos são sinceros, os planos inteligentes. Há inclusive essa relação da infância com a vida adulta e as justificativas para o que eles querem ser quando crescer são tão honestas que nos trazem um sorriso no rosto: antes todos fôssemos simples assim. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento da história do filme casa direitinho com o desenrolar da narrativa de Virgile, protagonista do livro, com suas interpretações sobre sua infância de circo. É incrível como obras tão díspares conversam tão bem.

O Pequeno Nicolau traz cenas que nos lembram Amélie Poulain pela doçura e inocência. Ao mesmo tempo, enquanto Amélie nos encanta, Nicolau e seus amigos nos fazem rolar de rir. Aqui não importa a idade neste filme infantil, já que são situações que quando não estamos vivendo, lembramos de nossa própria história ou simplesmente nos deliciamos com as mirabolantes construções infantis. Assistir a um filme cuja visão do mundo e narrativa é entregue a uma criança torna tudo mais divertido. O diretor e roteiristas merecem prêmios por isso.

Ainda vemos o cuidado com a construção fílmica além diálogos: a fotografia tem uma marca importante que se associa à direção de arte e figurino; estão realçadas as cores, em especial o vermelho, os figurinos são marcados e datados, bem como a decoração das casas, o carrinho de bebê, os carros. Fica claro que não estamos nos dias de hoje, ainda que as situações sejam plausíveis para qualquer década. Sendo um filme baseado num livro dos anos 50, notamos isso claramente também na construção dos personagens adultos: a mãe dona de casa, o pai querendo crescer no trabalho e convidando o chefe para almoçar em sua casa; a necessidade da mãe ser uma mulher moderna e sua transformação, são emblemas de uma geração adulta que percebia a necessidade de uma mudança que ali era embrionária.

Para nós que temos Turma da Mônica e O Menino Maluquinho, as comparações são claras. Os planos de Cebolinha e Cascão, as artimanhas do Menino Maluquinho - este até mais parecido pela relação com a fantasia e o personagem central ser um garoto da mesma faixa etária - nos remetem a um mesmo universo de trapaças infantis. Mas, enquanto o Menino Maluquinho se volta mais para o público infantil, neste filme Nicolau funciona bem para todas as idades. É quase impossível não gostar.

Este filme dá vontade de ter em casa, de assistir mais umas vezes, de rir muito com aquelas crianças, de entender seus problemas e, melhor do que tudo, ver que todos podem se resolver. Dá vontade de deixar esses grandes atores mirins continuarem assim para sempre e esperar muitos outros filmes que nos levem pela lembrança do que fomos e pela fantasia do que queríamos ser.

Notas
Filme: O Pequeno Nicolau
Título Original: Le petit Nicolas
Diretor: Laurent Tirard
2009, França e Bélgica, 91 min.

Livro: Talvez uma história de amor
Autor: Martin Page
Ed. Rocco, 2008 - 157 páginas.

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